Artigos |
P. Manuel Barbosa, scj
Fiéis, alegres e felizes

Durante quatro dias antes do Carnaval, costuma realizar-se anualmente em Fátima a Semana de Estudos sobre a Vida Consagrada, um encontro presencial de formação, convívio e celebração para consagrados e consagradas. Congrega cerca de mil participantes e já se realiza há 36 anos.

Em 2020, aconteceu mesmo às portas do início do primeiro confinamento provocado pela pandemia. Este ano tal já não foi possível. Pensou-se realizar em formatos digitais, mas mesmo assim seria difícil “reunir” digitalmente tão elevado número de pessoas. A comissão acabou por decidir realizar a “semana” ao longo das cinco semanas da Quaresma: no site da CIRP (www.cirp.pt) é disponibilizado um texto de reflexão às segundas, quartas e sextas, texto preparado por quem estava incumbido de preparar as suas intervenções para Fátima.

Claro que falta algo essencial, o encontro de pessoas consagradas, o convívio fraterno, as celebrações na Basílica da Santíssima Trindade, os grandes encontros formativos no auditório Paulo VI. Não é a mesma coisa, como em quase tudo o que vamos recriando ao longo destes tempos difíceis. Mas fica como itinerário quaresmal em reflexão e meditação a nível individual e comunitário. Desta forma, ninguém fica de lado desta proposta, em particular os milhares de consagrados e consagrados que vivem entre nós.

O tema convida à conversão: “o desafio da fidelidade na vida consagrada”. Inspira-se numa Instrução da Santa Sé, «O dom da fidelidade. A alegria da perseverança». Convidados a renovar a fidelidade, a alegria e a perseverança como dom de Deus e tarefa nossa. Nada é fácil nem difícil, apenas exigente; uma exigência radicada no coração e na interioridade do nosso ser, nunca na intransigência da norma exterior e tantas vezes sem sentido.

Neste conjunto de reflexões entra também a temática da encíclica “Todos irmãos”. Não é apêndice nem tema desgarrado. É da essência do que somos em Deus: filhos seus e irmãos nossos, como ideal de vida e realização prática. Lá pelo dia 24 de março, a irmã Conceição Mesquita propõe 12 desafios desta encíclica aos consagrados (mas serve para todos): amabilidade, caridade, cuidado, diálogo, hospitalidade, proximidade, perdão, reconciliação, solidariedade, estar alerta, educar, esperança. Só por este elenco, somos apanhados por um autêntico programa de vida humana e cristã, em tempo quaresmal e em quaisquer outros tempos. Com a esperança a culminar: “Todos estes desafios e outros que poderíamos apontar nos levam e supõem o repto da esperança. A esperança é ousada, sabe olhar para além das comodidades pessoais, das pequenas seguranças e compensações que reduzem o horizonte, para se abrir aos grandes ideais que tornam a vida mais bela e digna. Urge ter um olhar de esperança perante a realidade da nossa vida em fraternidade, das nossas instituições. Comecemos sempre de novo com alegria, caminhemos na esperança”.

E termino com uma história contada pelo arcebispo José Carballho Rodríguez:

«Um peregrino caminhava quando encontrou um homem que se parecia com um monge e que estava sentado no campo. Perto dele estava um grupo de homens que trabalhavam ao lado de um edifício de pedra.

- Parece um monge, disse-lhe o peregrino.

- E sou, respondeu o monge.

- Quem são estes homens que trabalham na abadia?

- Os monges, respondeu. Eu sou o abade.

- É magnífico ver construir um mosteiro, disse o peregrino.

- Estamos a destruí-lo, disse o abade.

- A destruí-lo?, exclamou o peregrino. E porquê?

- Para poder ver o sol nascer todas as manhãs.»

Para ver o sol nascer em nós e à nossa volta, é preciso destruir tantos estorvos de cinzas e poeiras que não deixam passar nem ver a luz.

Vale a pena revisitar estes temas ao longo da Quaresma. São de longo alcance, não só pela sua extensão real, mas sobretudo pela sua profundidade e provocações à renovação de vida, pessoal e em comum. Um autêntico itinerário, qual convite a sermos simples fiéis, alegres e felizes!