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P. Manuel Barbosa, scj
Que sonhos para a Europa?

A grave pandemia que vivemos em emergência confina-nos em espaços fechados, mas esse estado, pela humanidade e pela fé que marcam o mais profundo dos nossos seres, deve abrir-nos à urgência em cuidar de nós mesmos e uns dos outros. Não podemos deixar de desejar um mundo melhor, onde estamos a nível local e global. Todos em emergência a cuidar e a curar, todos em urgência a sonhar formas concretas de procurar o bem comum para todos como irmãos, sem excluir ninguém do sonho da fraternidade.

Diz o Papa Francisco que «a pandemia é como uma encruzilhada que obriga a tomar uma opção: ou prosseguimos pelo caminho da última década, animado pela tentação da autonomia… ou redescobrimos o caminho da fraternidade que inspirou e animou os pais fundadores da Europa moderna». Escreveu isso numa carta aos bispos que participaram na recente assembleia plenária da COMECE, organismo criado há 40 anos para congregar as conferências episcopais da União Europeia. Um texto interpelador que nos convida a percorrer, juntos na pandemia, o caminho da fraternidade e da solidariedade em ações criativas e novas iniciativas.

Convidando a Europa a reencontrar os seus ideais originais, a descobrir as suas raízes profundas e a olhar o futuro com esperança, o Papa aponta quatro sonhos como contributo original para a sua construção.

Sonho uma Europa amiga da pessoa e das pessoas. «Ser uma Europa amiga da pessoa significa promover a sua instrução e desenvolvimento cultural, proteger os mais frágeis e débeis, especialmente os idosos, os doentes e as pessoas com deficiência, defender os direitos e os deveres das pessoas, recordar que cada um é chamado a prestar a sua própria contribuição à sociedade». Um sonho que respeita a dignidade da pessoa, que defende a vida em todos os seus momentos, que releva o papel dos jovens na sociedade!

Sonho uma Europa que seja uma família e uma comunidade. «Uma Europa-comunidade, solidária e fraterna, saberá valorizar as questões da pandemia, mas também o desafio ecológico… e escolher entre um modelo de vida que descarta homens e coisas e um modelo inclusivo que valoriza a criação e as criaturas». Um sonho que valoriza as caraterísticas próprias de cada pessoa e de cada povo, que defende a diferença fundamental entre o homem e a mulher, que cuida do bem comum, pois ninguém pode sobreviver sozinho!

Sonho uma Europa solidária e generosa. «Uma Europa onde a solidariedade é expressão fundamental de toda a comunidade e exige que cuidemos uns dos outros… Ser solidários significa conduzir quem é mais frágil por um caminho de crescimento pessoal e social… implica fazer-se próximo e tornar-se disponível… Uma solidariedade que se alimenta de gratuidade e gera gratidão. E a gratidão leva-nos a olhar para o outro com amor». Um sonho que sente a Europa como lugar acolhedor e hospitaleiro, onde a caridade é vencedora de toda a forma de indiferença e egoísmo, onde os migrantes e refugiados são tidos como irmãos!

Sonho uma Europa saudavelmente laica. «Uma Europa onde Deus e César apareçam distintos, mas não contrapostos. Uma cultura ou um sistema político que não respeite a abertura à transcendência não respeita adequadamente a pessoa humana». Um sonho que considera a Terra aberta à transcendência, que defende que a pessoa crente é livre para professar publicamente a fé e propor o seu ponto de vista à sociedade!

A pandemia que nos atinge tão fortemente não pode roubar-nos os sonhos de uma vida mais fraterna e solidária, mais generosa e hospitaleira. É urgente que agarremos estes sonhos acenados pelo Papa Francisco, que marcam as nossas vidas e famílias, comunidades cristãs e religiosas, a Igreja e o mundo. Não deixemos de sonhar com coragem e esperança, porque o sonho (ainda) comanda a vida, mais fecunda se for sonho de Deus, que acompanha com amor e ternura a Europa, toda a humanidade e cada um de nós.