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Pe. Alexandre Palma
Espiritualidade para tempos pandémicos

O cansaço vai tomando conta de nós. Individualmente, mas também como comunidade. E os seus efeitos são cada vez mais evidentes. Mas como poderia ser de outro modo? Como poderia esta sociedade, educada para a rapidez, focada no indivíduo e buscando resultados de curto prazo, estar preparada para a pausa e para uma meta comum que não se mostra imediata? Achar que estávamos preparados para isto será, provavelmente, a definição hodierna de insensatez. Não me refiro à impreparação das estruturas de saúde. Não me refiro à impreparação da economia. Refiro-me à nossa própria impreparação. Deixámos de nos exercitar na arte da paciência. Deixámos encurtar, sempre mais e mais, o alcance da nossa resiliência. Tornámo-nos velocistas. Já não somos capazes de correr distâncias maiores. A crise pandémica que enfrentamos é, precisamente, isto: uma maratona. Ela veio requerer corredores de fundo, logo num tempo em que estes parecem rarear.

Vale a pena escutar o Elogio da lentidão de Lamberto Maffei (Edições 70, 2018). Este neurobiólogo denuncia o que chama «pensamento rápido». Para ele, errámos ao querer competir com a velocidade das máquinas. «Esquecemo-nos – diz o autor – de que o cérebro é uma máquina lenta e que este desejo de imitar as máquinas rápidas […] tornou-se fonte de angústia e de frustração». Pior, «a prevalência dos mecanismos rápidos de pensamento» conduz a «comportamentos errados, a danos na educação e, em geral, na vida social, activando na mente humana sonhos de domínio quase sobrenatural sobre a natureza e sobre o próprio ser humano, [domínio que], por evidentes limitações biológicas, não pode existir».

Talvez possa surpreender alguns, mas um grande aliado na luta contra esta epidemia será mesmo a espiritualidade. Não como um escapismo, de quem se refugia no espírito por não saber lidar com o corpo. Nada disso. Falo aqui de espiritualidade como mestra que nos ensina a esperar e a resistir. De facto, o cultivo da vida espiritual tendeu a ser varrido, por este ambiente acelerado, para domínio das actividades inúteis. Seria perdido todo este tempo dedicado a nada produzir. Este postulado da cultura tecnocrática mostra-se hoje errado e, pior ainda, nocivo. Há no exercício espiritual um outro tipo de utilidade, normalmente descartada, mas agora tão evidentemente necessária. Uma utilidade discreta, silenciosa e escondida. Uma utilidade de segundo nível, isto é, a utilidade daquilo que torna possível a existência de outras coisas úteis. Uma utilidade pessoal, porque enraizada nos sujeitos e não hipotecada às coisas. De facto, a aventura da vida espiritual não é fácil nem simples. Dizem-no as grandes narrativas da humanidade, como os grandes mestres da vida interior. Sobretudo, ela é caminho sempre inacabado e que não se faz sem contrariedades. Portanto, caminho que exige e forma para a resiliência e a paciência. Eis por que o cultivo da vida espiritual se afigura como terapêutica adequada para os efeitos sociais e culturais desta crise pandémica. É como que o ginásio interior, em que se robustece o espírito e o carácter para travessias mais delongadas no tempo e feitas de cuidado atento ao outro.