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Pe. Alexandre Palma
Dignidade

Entramos com Jesus na Semana Santa. Acompanhamo-lo até Jerusalém. Em Jerusalém, acompanhamo-lo até à cruz. Ao longo deste itinerário vamos aprendendo com ele não apenas como enfrentar a morte, mas também como levar a vida. Haverá coisa mais útil?

Esta sua caminhada começa com uma decisão firme (cf. Lc 9, 51). No caso, de se dirigir a Jerusalém. Havia boas razões para não o fazer. Havia bons conselhos para que não fosse (cf. Jo 11, 8). Todavia, a tibieza da vontade não foi opção. Não por ignorar os riscos de tal viagem (cf. Mc 8, 31). Mas porque essa era a via para uma nova Aliança.

Entra em Jerusalém desafiando as expectativas da multidão. Mais difícil, por certo, desafiando as expectativas dos que lhe eram mais próximos. Montado num jumentinho (cf. Mc 11, 7). Armado de ramos de oliveira (cf. Mc 11, 8). Contestando, pois, aberta e deliberadamente, quem esperava um rei guerreiro. Sem hostilizar tal engano, Jesus não lhe cede, contudo, um milímetro.

À mesa encontra-se com a epifania do mal. Num contexto da mais alta intimidade experimenta a traição (cf. Mt 26, 23). Contradição das contradições. É com um beijo que é entregue (cf. Mc 14, 45). Denuncia o acto. Mas mesmo aí recusa a vitimização. Escolhe, pelo contrário, transfigurar tudo isso em caminho para o Pai (cf. Mc 14, 48). Caminho para si e para os outros.

Exposto a julgamento, gere com lucidez e serenidade palavras e silêncios. Cala-se perante discussões incoerentes (cf. Mc 14, 59). Fala apenas quando confrontado com o que é mesmo essencial (cf. Mc 14, 62). Por uma e outra forma, expõe o erro e manifesta a verdade. Honra a palavra, empenhando-a no tom certo e no contexto ajustado.

Elevado na cruz, Jesus recusa que se lhe abaixem os sentimentos. Tudo na cruz de Jesus é grandeza. Nela, a Escritura do passado transforma-se em profecia do futuro. O condenado que o acompanha transforma-se num irmão. As invectivas da multidão transformam-se em misericórdia de Deus (cf. Lc 23, 34). Sobretudo, uma condenação à morte transforma-se em radical dom de vida: «Pai, em tuas mãos entrego o meu espírito» (Lc 23, 46). Jesus recusa, pois, ser um herói trágico. Porque a sua vida ninguém lha retira. É ele quem livre e soberanamente a dá (cf. Jo 10, 18).

Há, pois, em Jesus uma serena dignidade que converteu os seus discípulos e desarmou os seus adversários. Não apenas na Galileia, quando as coisas lhe corriam de feição. Também em Jerusalém, quando tudo se tornou mais duro. Chamamos-lhe «mestre». Com razão o fazemos. E esta sua derradeira lição é actual. Ela é a antítese do ruído e da exaltação. O nosso mundo precisa desta forma de dignidade. A nossa Igreja também. Santa Páscoa.

 

Pe. Alexandre Palma