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Pe. Alexandre Palma
Recomeçar

O cristianismo é um caso de sucesso. Digo-o sem ponta de triunfalismo. E faço-o consciente de que isto poderá soar estranho a quem hoje vive no Ocidente. Também por isso o afirmo. Mas, de facto, assim é. São sinal desse sucesso a sua longevidade no tempo e a sua disseminação no espaço. Mais ainda, atesta-o a forma como ele se fez cultura. Nuns casos recriando por dentro civilizações inteiras e quase fundindo-se com elas. Noutros mostrando-se capaz de entrar em diálogo com mundos bem diferentes daquele em que ele próprio nasceu. No fundo, o cristianismo pode ser dito bem sucedido segundo a própria regra evangélica: pelos frutos conhecereis a árvore (cf. Lc 6, 44). E sob múltiplas formas, o cristianismo produziu bons frutos. Não quer isto dizer que tudo tenha corrido sempre bem. Sabemos que assim não foi (e não é). Mas também a capacidade de integrar e superar os próprios fracassos históricos é, paradoxalmente, um indicador de sucesso.

Múltiplas são as tentativas de explicar este facto. Para alguns, porventura mais pragmáticos, tudo isto se explica com uma lógica social e política. Porque apadrinhado por impérios e reinos ao longo da história, o cristianismo pôde tornar-se dominante em determinadas épocas e geografias. Para outros, talvez mais especulativos, a chave desse sucesso esteve na forma como ele introduziu novas ideias e perspectivas. Estas teriam colocado o cristianismo nos fundamentos de alguns dos maiores avanços da humanidade, como sejam o desenvolvimento da ciência ou o reconhecimento da dignidade humana. Para outros ainda, decerto mais espirituais, esse sucesso não é explicável de forma exclusivamente humana. Pelo contrário, que o cristianismo tenha crescido e subsistido é tão-somente uma consequência da presença actuante de Deus.

Algo de verdade haverá em qualquer uma destas interpretações (e noutras mais que haja), mesmo se cada um de nós lhes possa reconhecer um maior ou menor poder explicativo. Ocorre-me, ainda assim, complementar esta reflexão com uma outra hipótese de resposta. O cristianismo é uma permanente possibilidade de recomeço. Ele responde, assim, a um profundo anseio do coração humano. Por isso, ele é capaz de ser significativo em tempos e contextos variados. Quando visto sob esta perspectiva, a sua narrativa celebrativa é bastante coerente. De facto, que são o Natal e a Páscoa se não grandes histórias de recomeço? A primeira, encanta-nos com a possibilidade de renascermos juntamente com aquele «menino que nos nasceu», com aquele «filho que nos foi dado» (cf. Is 9, 5). A segunda, salva-nos com a possibilidade de revivermos para uma vida autêntica e liberta de todas as suas amarras. A revelação divina encontra-nos, pois, no âmago da nossa própria esperança. Porque importa não ignorar quão séria é entre nós a sensação de estarmos presos pelo nosso passado; encerrados numa vida circular, da qual não conseguimos escapar; sem um horizonte de novidade verdadeira para o qual caminhar. O cristianismo é ruptura com este fatalismo. Por isso, ele é profecia e sacramento de um recomeço, de Deus entre nós e de nós em Deus. Talvez que algo disto explique o seu sucesso passado, mas também dê sentido à sua missão presente. Ao iniciarmos mais um ano, cristãmente posso apenas desejar: bom recomeço!

 

Pe. Alexandre Palma