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Pedro Vaz Patto
A quem pertencem os filhos?

Grande polémica suscitou uma afirmação recente da ministra da educação do atual governo espanhol. Para justificar a frequência obrigatória de uma disciplina de educação para a cidadania que é contestada por muitos pais pela sua orientação ideológica no sentido da promoção da ideologia do género, afirmou ela que «os filhos não pertencem aos pais». Muitas foram as vozes, entre elas as de alguns bispos, que lhe responderam que, se é verdade que os filhos não são propriedade dos pais, também não o são do Estado e que é própria de regimes totalitários a apropriação pelo Estado da missão educativa que em primeira linha deveria caber aos pais.

Esta polémica tem, em Espanha, uma já longa história e é muito provável que algo de semelhante venha a ocorrer brevemente também em Portugal.

Em Espanha, em anos passados, a frequência da disciplina de Educação para a Cidadania, acusada de veicular uma orientação ideológica determinada e contrária à das convicções morais de muitos pais (a ideologia do género e o laicismo), foi recusada por cerca de 55.000 pais com invocação do direito à objeção de consciência. As decisões judiciais sucederam-se em sentidos díspares. O Supremo Tribunal não aceitou a recusa de frequência dessa disciplina com base na objeção de consciência, mas declarou que os seus conteúdos deveriam respeitar as convicções religiosas das famílias dos alunos (o ensino público não deve veicular ideias e doutrinas sobre que não existe um generalizado consenso moral na sociedade e que não são pacificamente aceitas sem controvérsia). O Tribunal Constitucional confirmou esta jurisprudência.

Estão em jogo, para além da liberdade de consciência em geral, o princípio, consagrado no artigo 26º, nº 1, da Declaração Universal dos Direitos Humanos (sendo que, nos termos do artigo 16º, nº 2, da Constituição portuguesa, os preceitos constitucionais e legais relativos aos direitos fundamentais devem ser interpretados e integrados de acordo com esse Declaração), de que «aos pais pertence a prioridade do direito de escolher o género de educação a dar aos filhos» e os princípios, consagrados no artigo 43º da Constituição portuguesa, da liberdade de aprender e ensinar (nº 1) e de que o «Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer diretivas filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas» (nº 2).

São de recordar, a este propósito, as palavras magistrais de São João Paulo II na exortação apostólica Familiaris consortio (n,º 36):

«O direito-dever educativo dos pais qualifica-se como essencial, ligado como está à transmissão da vida humana; como original e primário, em relação ao dever de educar dos outros, pela unicidade da relação de amor que subsiste entre pais e filhos; como insubstituível e inalienável, e portanto, não delegável totalmente a outros ou por outros usurpável.

 Para além destas características, não se pode esquecer que o elemento mais radical, que qualifica o dever de educar dos pais é o amor paterno e materno, o qual encontra na obra educativa o seu cumprimento ao tornar pleno e perfeito o serviço à vida: o amor dos pais de fonte torna-se alma e, portanto, norma, que inspira e guia toda a acção educativa concreta, enriquecendo-a com aqueles valores de docilidade, constância, bondade, serviço, desinteresse, espírito de sacrifício, que são o fruto mais precioso do amor.»

Os filhos não pertencem aos pais. Mas da missão educativa dos pais, não pode o Estado apropriar-se. Porque nenhum Estado pode amar como os pais amam os seus filhos.