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Pedro Vaz Patto
Unidos para sempre

Jamais esquecerei a forte emoção que experimentei há alguns dias.

Celebrávamos a missa exequial de um meu tio, João Lobo Vaz Patto, que tinha atingido a bela idade de 99 anos. Durante a celebração veio em evidência o seu testemunho de fé e de dedicação à família. Para poder sustentar condignamente os sete filhos, viu-se forçado a mudar várias vezes de trabalho e local de residência. Mas o que mais veio em evidência foi o testemunho de amor e unidade que deram, ele e a minha tia Maria de Lurdes, como casal. Iriam celebrar em breve os setenta anos do seu casamento. Ao longo destes anos, dedicaram-se com todo o empenho às Equipas de Nossa Senhora, que levaram para a Madeira quando para lá foram residir.

A meio da celebração, notámos uma inusitada movimentação e comoção de alguns dos filhos. Viemos a saber depois, e o próprio sacerdote celebrante, neto dos meus tios, o confirmou já perto do final da missa: a minha tia, que também já estava gravemente doente, havia terminado a sua vida terrena naquele preciso momento.

A assembleia de familiares e amigos, crentes e não crentes, experimentou, então, um momento de profunda emoção, talvez como nunca tenha vivido outro igual. Houve quem visse nesta “coincidência” uma prova do amor que uniu aquele casal mesmo até aos seus últimos dias nesta Terra. Alguns casais disseram que gostariam de falecer assim, sem que nenhum dos dois tenha experimentado a dor da viuvez. Muitos descobriram neste facto um sinal de Deus, um verdadeiro milagre, no sentido em que os milagres são sinais de Deus: quem esteve unido tantos anos aqui entre nós, continuará a estar unido agora numa outra dimensão, mais pura e perfeita, no Céu.

A mim, fez-me refletir no seguinte.

Parece que é cada vez mais raro um amor e um casamento que duram toda a vida, como este durou projetando-se até para a vida eterna de um modo inefável e para nós desconhecido. Sei bem o que representam as dores das ruturas matrimoniais, além do mais porque desde há vários anos analiso no tribunal eclesiástico causas de declaração de nulidade dos casamentos católicos (nulidade que pode, ou não, verificar-se nessas situações de rutura, sempre dolorosas). Mas creio firmemente que o casamento para toda a vida, numa doação recíproca total e incondicional, não é um ideal inatingível ou reservado a uma minoria de eleitos. É o desígnio de Deus (o seu plano) para todo o casamento autêntico e a ele são chamadas as pessoas comuns. A experiência dos meus tios não é um privilégio de alguns, é acessível a todos. É bom deixar esta mensagem aos jovens que têm hoje a perspetiva de constituir família e que, pelo que vêm à sua volta, podem desistir de acreditar num amor que dura para sempre.

Esta experiência também me fez refletir na verdade da vida eterna. Dizia Chiara Lubich que na nossa vida terrena construímos a casa que habitaremos depois na vida eterna. Certamente é a misericórdia de Deus que repara todos os defeitos, maiores ou menores, dessa construção. Mas não pode ser em vão que se constrói, melhor ou pior, essa casa, como se ela estivesse destinada a ruir mais tarde ou mais cedo. Foi essa casa que os meus tios construíram e que agora vão habitar.

 

Pedro Vaz Patto
Foto: Vecteezy