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Guilherme d'Oliveira Martins
A boa política está ao serviço da paz

Na Mensagem do Dia Mundial da Paz 2019, o Papa Francisco falou de responsabilidades concretas de todos, homens e mulheres de boa vontade, perante a cidade. Trata-se de uma chamada exigente, para que, num tempo de incerteza e de dúvida, possamos tomar consciência de que uma cultura de paz deve construir-se com ações concretas. Quando nos deparamos com o medo do outro e do diferente, ou cultivamos a indiferença perante os problemas difíceis, torna-se indispensável compreender que o encontro com o próximo é o início e a consumação da tomada de consciência da importância do espiritual e da transcendência. Mais do que os formalismos farisaicos, importa entender que a atenção e o cuidado, os olhos abertos para quem está a nosso lado são essenciais. Não bastam boas intenções, de que o inferno está cheio, na expressão popular, importa ir à substância das coisas. A atenção aos sinais dos tempos, para que nos alertou o Papa S. João XXIII, obriga à recusa de uma fé retrospetiva, plena de gestos, que em lugar de aproximarem afastam, e em lugar de enriquecerem empobrecem. Paul Ricoeur disse, por isso, que a solidariedade é para os sócios e que a caridade é para os próximos. E quem é o próximo? É quem precisa de nós, mesmo que esteja aparentemente distante.

O Papa diz-nos: «A paz parece-se com a esperança de que fala o poeta Charles Péguy; é como uma flor frágil, que procura desabrochar por entre as pedras da violência. Como sabemos, a busca do poder a todo o custo leva a abusos e injustiças. A política é um meio fundamental para construir a cidadania e as obras do homem, mas, quando aqueles que a exercem não a vivem como serviço à coletividade humana, pode tornar-se instrumento de opressão, marginalização e até destruição». Não esqueço, há anos, como foi difícil em Paris, numa iniciativa da «Nova Evangelização», falar da santidade na política. No entanto penso que todos compreenderam que o serviço público e o bem comum fazem parte dos deveres dos cristãos e de todas as pessoas de boa vontade, como artesãos da paz. Por isso, invoco o exemplo de figuras como Robert Schuman e Giorgio La Pira, cujos processos de beatificação correm e estou certo de que o reconhecimento chegará em breve. O mesmo se diga de S. Tomás Morus, homem de todas as estações, que assumiu plenamente a coerência de ser cristão e de cuidar ao mais alto nível do bem de todos. Como diz ainda o Papa, «a função e a responsabilidade políticas constituem um desafio permanente para todos aqueles que recebem o mandato de servir o seu país, proteger as pessoas que habitam nele e trabalhar para criar as condições dum futuro digno e justo. Se for concretizada no respeito fundamental pela vida, a liberdade e a dignidade das pessoas, a política pode tornar-se verdadeiramente uma forma eminente de caridade». Robert Schuman lançou as bases de uma Europa de Paz a partir de um apelo determinado e corajoso. Giorgio La Pira, como professor de Direito e síndaco de Florença, pôs a tónica nas pessoas concretas à frente das teorias e dos preconceitos. Na sua sela modesta de San Marco, recebia todos e mais do que palavras procurava dar resposta com atos concretos.

Bento XVI disse que todo o cristão é chamado à caridade, conforme a sua vocação e segundo as suas responsabilidades: «Quando o empenho pelo bem comum é animado pela caridade, tem uma valência superior à do empenho simplesmente secular e político. (…) A ação do homem sobre a terra, quando é inspirada e sustentada pela caridade, contribui para a edificação daquela cidade universal de Deus que é a meta para onde caminha a história da família humana». Trata-se, assim de um programa no qual se podem reconhecer todos os políticos que desejam trabalhar juntos para o bem da família humana, praticando as virtudes que conduzem a boa ação política: justiça, equidade, respeito mútuo, sinceridade, honestidade e fidelidade. Invocando o Cardeal vietnamita Francisco Xavier Nguyen Van Thuan, urge lembrar as Bem-aventuranças do político: ter uma alta noção e uma profunda consciência do seu papel; irradiar credibilidade; trabalhar para o bem comum e não para os interesses próprios; permanecer fielmente coerente; realizar a unidade; estar comprometido na realização duma mudança radical, isto é, que vá à raiz das coisas; saber escutar e não ter medo. Daí não podermos esquecer os vícios e as tentações da política: a corrupção, a negação do direito, a falta de respeito pelas regras comunitárias, o enriquecimento ilegal, a justificação do poder pela força ou pela «razão de Estado», a tendência a perpetuar-se no poder, a xenofobia e o racismo, a recusa a cuidar da Terra, a exploração ilimitada dos recursos naturais em razão do lucro imediato, o desprezo dos que são forçados ao exílio. Numa palavra, urge «respeitar e promover os direitos humanos fundamentais, que são igualmente deveres recíprocos, para que se teça um vínculo de confiança e gratidão entre as gerações do presente e as futuras».