Artigos |
P. Duarte da Cunha
Férias: tempo para redescobrir a meta

A Europa foi, e é ainda hoje, dizia George Steiner, uma caminhada. Quem a atravessa a pé consegue sempre encontrar uma povoação onde pernoitar. Não lhe acontece ter de passar por desertos imensos ou florestas infindáveis como noutros continentes. Podemos dizer, como ele disse, que na Europa a paisagem tem dimensão humana e os destinos são alcançáveis.

Perceber o facto de a Europa estar marcada por estas caminhadas toca o âmago da nossa cultura. Mas para isso é preciso notar que, na verdade, muito mais do que de caminhadas, na Europa faz sentido falarmos de peregrinações. A “Europa caminhada”, na verdade, é a de pessoas que avançam para chegarem a um destino. É isso que liga a ideia de caminho com a de progresso, ou seja, de crescimento e de avanço.

Só quando temos uma meta o caminho tem sentido! Ao nível humano, a meta pode ser o encontro com um amigo, um negócio, um lugar santo ou a própria casa. Em todo o caso, o que dá sentido ao caminhar é a vontade de chegar e a esperança de alcançar o objetivo. Por isso é tão importante saber qual o destino para saber qual é o caminho certo: só assim se pode avançar, mesmo que devagar. Quem não sabe para onde vai ou se sente perdido dificilmente consegue ter forças para avançar. São Tomás recordava que se chega mais depressa ao destino indo a coxear pelo caminho certo do que a correr pelo caminho errado!

Claro que isto pressupõe que o caminho se faz voluntariamente. Uma peregrinação é uma experiência de liberdade. Eu quero ir ali; eu posso ir; eu vou. Perde-se a liberdade quando não se tem para onde ir, se é forçado a ir ou se é incapaz de ir. A Europa peregrina é a grande promotora e defensora da liberdade porque tem esperança de chegar à meta. Desaparece a liberdade se não é claro que há um ponto de chegada, ou quando se pensa que este é um destino mau, ou, ainda, quando a pessoa é forçada a ir mesmo não querendo. Tantas vezes andamos como baratas tontas precisamente porque deixámos de ter esperança; de ter para onde ir!

Um dos grandes problemas da secularização é o desaparecimento das metas transcendentes, dos grandes ideais, do desejo de se chegar ao Céu, de se ser santo. Multiplicam-se as metas que na realidade são só etapas, como o conseguir ter um dia sossegado, encontrar uma pessoa com quem partilhar algum tempo de amizade ou ganhar dinheiro. Tudo coisas justas, mas insuficientes para realizar a pessoa humana. São etapas e aspectos da vida, não a meta final.

Os cristãos europeus acreditam que é possível chegar ao Céu. Antes de mais porque aprenderam a reconhecer o grande desejo de encontrar o eterno e o divino, mas também porque fazem a experiência de que as distâncias são passíveis de ser percorridas. A fé cristã deu sentido a esta intuição, porque em Jesus Cristo ficamos a saber que existe uma meta, que ela é boa, mas também que é possível chegar lá. A pessoa que peregrina não deambula sem sentido, mas avança. Também é verdade que acreditamos que Deus já está no caminho da vida: Jesus é o caminho! Mas é caminho porque leva ao Pai.

No tempo de férias, uma das coisas importantes a fazer é recuperar a consciência da meta, dos grandes objectivos da vida. Descansar, por isso, é retomar a motivação que faz querer avançar. Por vezes, o quotidiano está cheio de coisas a fazer que ofuscam a meta. É então que o cansaço se torna mais pesado. Parece não haver tempo ou forças para pensar sobre onde se quer chegar.

Eis porque a férias são tão necessárias! E também porque é tão importante que não seja só um tempo vazio de obrigações. Se o descanso for só distração termina sem dar novo impulso à vida. É bom estar alerta porque a secularização, que leva as pessoas viverem como se Deus não existisse, casa bem com a ideia de descanso como pura distração! Os cristãos, pelo contrário, vivem as férias como tempo útil, tempo de descanso para pensar, para saborear, para apreciar e avivar o desejo de se chegar ao Céu. Assim, chegaremos ao início do ano lectivo, do ano pastoral, do ano laboral com vontade de fazer bem o que nos é pedido. As férias ajudam a darmo-nos conta de estarmos numa peregrinação com uma meta e, por isso, a ter vontade de avançar.