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P. Manuel Barbosa, scj
Vinho novo, odres novos

Quem não estiver familiarizado com esta comparação utilizada por Jesus pode pensar que vai ler uma rubrica sobre vinhos, onde é sabida a importância que os odres têm para que o vinho novo seja melhorado com o passar do tempo. Mas aqui estamos perante a passagem do Evangelho de Marcos 2,22: «Ninguém deita vinho novo em odres velhos; se o fizer, o vinho romperá os odres e perde-se o vinho, tal como os odres. Mas vinho novo em odres novos».

Isto vem a propósito das Orientações «vinho novo, odres novos» que a Santa Sé acaba de oferecer a toda a Igreja, em particular aos consagrados e consagradas, procurando apontar desafios ainda em aberto desde o Concílio Vaticano II. Em exercício de discernimento e em sintonia com o Papa Francisco, profundamente conciliar e sinodal, este documento «pretende ler práticas inadequadas, indicar processos bloqueados, fazer perguntas concretas, pedir razões das estruturas de relação, de governo e de formação sobre o apoio real dado à forma de vida evangélica das pessoas consagradas».

A primeira parte apresenta o estado da vida consagrada no momento atual: desafio da novidade que exige acolhimento e discernimento; abertura mental para imaginar modalidades de seguimento, proféticas e carismáticas, vividas em esquemas adequados e talvez inéditos; procura da identidade própria; inserção de uma nova relação entre Igreja e mundo, na fidelidade criativa aos fundadores e resposta aos sinais dos tempos do mundo de hoje; florescimento de novas formas de presença e de serviço nas múltiplas periferias existenciais; novas diaconias e presenças nas Igrejas jovens tendo em conta as situações inter-religiosas e interculturais. Face a incoerências e resistências, que as há, é preciso incentivar um novo impulso de santidade para os consagrados e as consagradas.

«Para vinho novo, odres novos. A novidade do Evangelho. Que nos traz o Evangelho? Alegria e novidade. Para a novidade, novidade; para vinho novo, odres novos. E não tenhais medo de mudar as coisas segundo a lei do Evangelho. Por isso a Igreja pede-nos a todos nós algumas mudanças. Pede-nos que ponhamos de parte as estruturas caducas: não prestam! E que tomemos odres novos, os do Evangelho. O Evangelho é novidade! O Evangelho é festa! E só se pode viver plenamente o Evangelho com um coração alegre e com um coração renovado. Dêmos espaço à lei das bem-aventuranças, à alegria e à liberdade que a novidade do Evangelho nos traz». São provocadoras palavras meditativas do Papa Francisco, inseridas nestas Orientações.

A segunda parte aponta desafios ainda em aberto: a procura da identidade e do sentido da vocação, também face ao grande número de abandonos da vida religiosa; esforço da inculturação e da integração entre culturas diferentes; cuidado pela formação e suas dimensões, para que seja integral, fecunda, sistemática, vital e concreta; exercício da autoridade como serviço de qualidade e não como domínio e poder; correta inserção do religioso presbítero no ministério pastoral das dioceses; igual dignidade do homem e mulher na vida consagrada; ética da solidariedade e da partilha na gestão dos bens, que assente no primado do ser sobre o ter, da ética sobre a economia.

A última parte convida a preparar odres novos, procurando descobrir, discernir e implementar novos percursos na autenticidade do testemunho evangélico e carismático da vida consagrada. Ao mesmo tempo que cultivam, com o ardor da oração, o vinho novo dos seus carismas nas comunidades, institutos, mosteiros e conventos, as pessoas consagradas são chamadas a sair com ousadia e coragem e a espalhar com alegria e entusiasmo o fecundo odor das suas vidas no meio do povo dos crentes.

Que isso aconteça, particularmente neste tempo quaresmal, em constante conversão na Igreja local de Lisboa onde estamos irmanados em relevante receção prática das orientações da constituição sinodal.