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P. Manuel Barbosa, scj
Provocações do Papa aos sacerdotes e consagrados

Na recente viagem ao Equador, Bolívia e Paraguai, o Papa Francisco teve relevantes encontros com consagrados, sacerdotes e seminaristas. Destaco aqui algumas das suas provocações, ainda em plena vivência do Ano de Vida Consagrada.

No Equador, país consagrado ao Coração de Jesus e ao Coração de Maria, o Papa apelou à consciência da gratuidade, no regresso à primeira escolha. «Religiosas, religiosos, sacerdotes, seminaristas, vós não pagastes a entrada para entrar no seminário, para entrar na vida religiosa. Vós não o merecestes. Se algum religioso, sacerdote ou seminarista ou uma freira que está aqui acredita que o merecia, que levante a mão. Tudo é gratuito».

Ainda no Equador, incentivou ao combate do Alzheimer espiritual em que se pode perder a memória das origens, das raízes, dos inícios da vocação. «A gratuidade é uma graça que não pode conviver com a promoção e, quando um sacerdote, um seminarista, um religioso, uma religiosa entra na carreira – não o digo por mal, na carreira humana – começa a ficar doente de Alzheimer espiritual e começa a perder a memória de onde foi tirado». Estes princípios só podem ser vividos em duas atitudes essenciais: o serviço e a alegria.

Realço também o longo discurso (que vale a pena ler na íntegra) que o Papa proferiu na Bolívia, a partir do episódio evangélico de Bartimeu, cego e mendigo, à beira do caminho, totalmente marginalizado e excluído. O Papa aproveitou três palavras do texto bíblico, para provocar as reações e atitudes dos seminaristas, consagrados, sacerdotes, bispos e até do papa.

Primeira: «Passar». Significa passar ao largo, na indiferença, na não escuta, no olhar desfocado, no acostumar-se, no refugiar-se em rezas e ritualismos, quando temos Bartimeus à porta do nosso coração. «Trata-se de um coração que se habituou a passar sem se deixar tocar; uma existência que, andando por aqui e por ali, não consegue radicar-se na vida do seu povo, simplesmente porque faz parte desta elite que segue o Senhor. Poderíamos chamá-la espiritualidade do zapping. Passa e volta a passar, mas não fica nada. São aqueles que correm atrás da última novidade, do último bestseller, mas não conseguem entrar em contacto, não conseguem relacionar-se, envolver-se inclusive com o Senhor a quem estão a seguir, porque a surdez progride». E acrescenta que «passar, sem escutar a dor do nosso povo, sem nos radicarmos nas suas vidas, na sua terra, é como ouvir a Palavra de Deus sem deixar que lance raízes dentro de nós e seja fecunda. Uma planta, uma história sem raízes é uma vida seca».

Segunda: «Cala-te». Que os Bartimeus não nos chateiem nem perturbem, porque estamos na oração comunitária ou num momento de espiritualidade de profunda elevação. «É o drama da consciência isolada, daqueles discípulos e discípulas que pensam que a vida de Jesus é apenas para aqueles que consideram aptos. No fundo, há um profundo desprezo pelo Povo fiel de Deus: "mas este cego, quem é ele para meter-se, que fique onde está!". A seus olhos parece lícito que encontrem espaço apenas os "autorizados", uma "casta de pessoas diferentes" que pouco a pouco se separa, diferenciando-se do seu Povo. Fizeram da identidade uma questão de superioridade. Esta identidade, que significa pertença, faz sentir-se superior, já não como pastores, mas como capatazes: Eu cheguei até aqui, tu, coloca-te no teu lugar. Ouvem, mas não escutam, veem, mas não olham».

Terceira: «Coragem, levanta-te». Grito transformado em Palavra e mudança, em convite e proposta de novidade face às formas como. Pleno de misericórdia e compaixão, que «não é zapping, não é silenciar a dor; pelo contrário, é a lógica própria do amor, o 'padecer com'. É a lógica que não está centrada no medo, mas na liberdade que nasce de amar e coloca o bem do outro acima de todas as coisas».

São muitas citações do Papa Francisco; oxalá que provocadoras de mudança, ao apelarem à identidade da Igreja em saída, sempre marcada pela alegria do Evangelho.