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P. Manuel Barbosa, scj
O inciso português na encíclica

A recentíssima carta encíclica do Papa Francisco «Louvado sejas» faz referência a um documento dos Bispos portugueses; aliás, são citadas apenas duas conferências episcopais da Europa (Portugal e Alemanha).

Esse «inciso português» encontra-se no capítulo sobre a ecologia integral onde o Papa, de modo brilhante, aborda a ecologia na integração das suas várias dimensões: ambiental, económica, social, cultural, quotidiana, segundo os princípios do bem comum e da justiça intergeracional. É neste último tópico que é citado o n.º 20 da Carta Pastoral «Responsabilidade solidária pelo bem comum», publicada pela Conferência Episcopal Portugal (CEP) a 15 de setembro de 2003, em que o Papa Francisco refere a exortação dos Bispos de Portugal a assumir este dever de justiça: «O ambiente situa-se na lógica da receção. É um empréstimo que cada geração recebe e deve transmitir à geração seguinte».

Este documento da CEP, que considero atualíssimo e a exigir permanente revisitação, teve forte acolhimento aquando da sua publicação, sobretudo em ambientes da sociedade civil e em pessoas com relevantes cargos na sociedade. Ficou muito conhecido por elencar os sete pecados sociais que exigem uma conversão à solidariedade responsável na construção do bem comum e os sete sinais de participação solidária.

Com estes contextos, a Carta Pastoral começa por afirmar os grandes princípios da doutrina social da Igreja: primado da pessoa humana sobre as instituições sociais; busca do bem comum como horizonte da vida social; solidariedade no bem comum; subsidiariedade como defesa e promoção da pessoa e da sociedade civil.

Afirmados os princípios, os Bispos portugueses procuram, de seguida, aplicá-los a algumas áreas do bem comum: participação na vida púbica; trabalho digno, justo e reconhecido; ética do mercado; mass media; defesa do ambiente; acidentes na estrada; responsabilidade comum pelos impostos; saúde e bem-estar da comunidade; educação ao serviço de todos.

A citação do Papa Francisco vem logo a seguir à afirmação inicial do n.º 20 da Carta pastoral sobre o bem comum e a defesa do ambiente: «O meio ambiente é um dos bens comuns essenciais à vida da humanidade, é uma condição absolutamente necessária para a vida social. A consciência ecológica é uma conquista progressivamente adquirida pela sociedade humana. Ao receber de Deus o domínio sobre o mundo, o ser humano ocupa o seu lugar no planeta como dom e privilégio. Por isso tem o dever de cultivar o respeito religioso pela integridade da criação». É na lógica da receção que os Bispos portugueses afirmam «a enorme responsabilidade quanto ao uso e usufruto dos bens comuns ambientais em cada presente histórico. As gerações futuras têm o direito de receber o ambiente em melhores condições do que as situações em que as gerações anteriores o viveram».

Essa responsabilidade «pela conservação cuidadosa da dimensão ambiental do bem comum», que é de todos sem exceção, passa pela «denúncia de factos dramáticos para a humanidade» e «igualmente, e sobretudo, pela consciência ecológica de conservação e preservação da natureza e do ambiente, em que o ser humano é a referência fundamental como colaborador de Deus na criação e corresponsável pelo seu domínio com os outros seres humanos».

Escrita há 12 anos, esta Carta Pastoral mantém todo o seu vigor nos princípios e nas aplicações que sugere. Além do que acenei brevemente, não são de somenos importância, quer as prioridades pastorais que assume (o Ser humano, a Vida, a Família, a Paz, a Solidariedade, a Identidade de Portugal), quer os 16 dinamismos apresentados na conclusão para a promoção com solidariedade responsável da vida pública e do bem comum da sociedade.

A Encíclica do Papa Francisco é para ser lida e assumida pela grandeza com que nos apresenta o extremo cuidado que devemos pela nossa casa comum. Aquilo a que chamei de «inciso português na encíclica» pode constituir um forte apelo a revisitarmos o texto dos Bispos portugueses, que nos interpela e provoca de forma tão acutilante e concreta.