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P. Duarte da Cunha
A modernidade é evangelizável

É comum – pelo menos na Europa – dizer-se que no século XVI termina a Idade Média e começa a Idade Moderna.

A modernidade surge, nessa época, por várias razões, mas parece ter um mote: fazer o apelo ao poder absoluto da razão contra a religião. Hoje sabemos bem que é errado pensar que antes do século XVI não se dava importância à razão. A ciência e a filosofia medieval foram uma síntese impressionante entre fé e razão. Foram séculos onde se soube acolher a herança da filosofia grega e do direito romana e uni-la à fé cristã. No centro estava a Pessoa de Jesus Cristo, compreendido não como uma personagem do passado mas como o Senhor da História presente e futura, capaz de valorizar a razão e tudo o que é verdadeiramente humano. Nessa síntese estava inscrita a busca constante da verdade, que se via unida à bondade e beleza. Afirmava-se a dignidade da pessoa criada à imagem e semelhança de Deus e a importância da comunidade como comunhão de pessoas. Podemos mesmo dizer que a ciência viu na Idade Média o seu primeiro grande desenvolvimento.

A modernidade, porém, quis separar a fé da razão, a natureza da graça, e, por isso, Deus do quotidiano. Os problemas da vida passaram a ser tratados como se a solução fosse toda nas mãos dos homens. Daqui surgiu um optimismo desenfreado. A vida deixava de depender de Deus, ou seja, do Mistério e passava a ser acessível à razão humana. Bastava aprofundar a investigação. Mas os medievais nunca pensaram que depender de Deus era contrário à liberdade! Aliás, sentiam que o que dependia de Deus era muito mais seguro, porque Deus é Omnipotente e é amor. Foi quando, no século XIV, se achou que era preciso separar Deus do mundo – para se “salvar” Deus da Incarnação e evitar que Ele se “suje” com a humanidade – que se pensou que Ele deveria ficar sossegado no Céu. Não se levou a sério que “Deus fez-Se carne” (Jo 1,14), e como consequência Deus tornou-se um desconhecido.

Foi assim que quando os homens conseguiram proezas grandes, como as descobertas marítimas, também quiseram ter o destino de tudo nas mãos. Tudo parecia correr bem. A Revolução francesa pôs fim ao “poder” da Igreja que era visto como resquício do tempo medieval, e julgou-se finalmente poder adorar a razão e começar um tempo novo. O culminar deste optimismo aconteceu no século XIX com a revolução industrial. Chegou-se a pensar que o desenvolvimento tecnológico, levando ao aumento do conhecimento, poderia garantir uma nova moral universal sem Deus.

As duas guerras mundiais – estamos a recordar este ano o início da Primeira Grande Guerra – foram um desastre. Os milhões de mortos, as cidades e aldeias destruídas, a memória da maldade que os homens podem fazer deveriam ter acordado as pessoas para o facto de que tentar construir o mundo sem Deus não é possível. Mas o que aconteceu foi achar que era preciso ir ainda mais longe no esforço de desligar a vida da religião e afirmar uma liberdade absoluta. Os anos que se seguiram à Segunda Grande Guerra, pelo menos no mundo ocidental, terão sido de grande ebulição e viram um grande desenvolvimento económico e tecnológico, mas geraram mais confusão moral do que alguma vez esperaram. Deus já nem sequer tinha que ver com a realidade como Criador e por isso deixava de haver uma ordem natural para indicar o que é bem e o que é mal.

A consequência está à vista com o individualismo a pontificar. É isto que acaba por caracterizar a pós-modernidade! Cada um trata de si e não tem que ver com os outros. Cada um tem a sua opinião. Cada um decide o que é bem e o que é mal. O consumismo mantém as pessoas entretidas e a economia garante o pão. Mas é evidente que isto não pode durar muito. Com a crise económica, com as crises pessoais e familiares a alastrarem-se, será que desta vez vamos acordar? Não é evidente que sem Deus não se pode compreender a vida? E não é claro que Deus está presente? Não são visíveis os testemunhos de pessoas, famílias e comunidades que vivem com alegria a fé e que mostram como é possível viver hoje a experiência da fé? Estou certo que hoje como ontem, o coração humano está à espera de uma intervenção de Deus e deseja encontrar Jesus Cristo. Não é preciso voltar às cavernas, basta abrir os olhos para a realidade e compreender os sinais de Deus. A modernidade pode ser evangelizável; os modernos, com os seus computadores e internet, com a facilidade de viajar e de conhecer outras culturas, não estão condenados à descrença.