Artigos |
Pe. Alexandre Palma
Que discutíeis pelo caminho?

Foi na ressaca do anúncio de mais «medidas de austeridade» e da semana de protestos que se lhe seguiu que, como uma provocação, me vi confrontado com a pergunta: «Que discutíeis pelo caminho»? Bem… não só eu, mas todos quantos foram à Missa nesse Domingo (o XXV do Tempo Comum – B: Mc 9, 30-37). A pergunta é, claro está, de Jesus e dirigida aos seus discípulos. Antes de mais, aos da primeira hora. Aos doze. Mas é também dirigida aos discípulos desta hora. Aos de agora. A nós. Se isto pode ser dito de toda a Palavra de Deus, parece que esta pergunta, porque escutada neste momento conturbado da nossa vida nacional, é ainda mais actual, ainda mais para nós. É como se Jesus, à semelhança do que fizera com os discípulos de Emaús, se pusesse connosco a caminho e, fingindo nada saber sobre o que se passa em Portugal por estes dias, no-lo perguntasse. É como se Jesus tivesse vontade de participar, também Ele, na discussão pública sobre o momento político, económico, social e cultural deste «jardim à beira-mar plantado».

São várias as analogias que se poderiam estabelecer entre esta página do Evangelho e o que tem sido a nossa vida nacional. Posso aqui apenas sublinhar esta: os momentos de crise são momentos dados à discussão. Num caso, a crise da morte e ressurreição que Jesus anuncia. No outro, a crise de uma sociedade cansada e sem um horizonte claro. É aqui que importa levar muito a sério a pergunta de Jesus: o que é que andamos para aí a discutir? Sendo-me permitido «modelar» a pergunta: como é que andamos a discutir? Com que intenção o fazemos? Baseados em que princípios/valores tomamos parte nesta discussão pública? Ora, na sua versão original, Jesus faz esta pergunta porque os discípulos vinham discutindo uns com os outros «sobre qual deles seria o maior». Se hoje, no debate acerca de Portugal, da sua crise e do modo de a superar, apenas procuro salvaguardar o meu bem particular, a minha situação particular, então, em nada me distingo da tacanhez de quem apenas quer ser o maior. E os cristãos não podem estar assim na discussão que hoje atravessa o país.

Em primeiro lugar, importa que nós cristãos entremos mesmo na discussão. Que não nos acomodemos a viver desapaixonadamente na «cidade dos homens», mas que ajudemos a transforma-la cada vez mais à imagem da «cidade de Deus». Depois, importa que transportemos para a discussão o modo evangélico de olhar a vida: antepor o bem comum ao interesse particular. Mesmo quando isso nos afecte directamente. Esta é a hora de fazer sentir a todo o país a necessidade de promover o bem comum, não a defesa de interesses particulares. E nisto nós, os cristãos, temos uma responsabilidade muito especial. Por fim, importa ajudar quem nos governa a decidir em favor deste bem comum, assim como importa também fazer ver a quem protesta que a defesa desses tais interesses particulares tem de se acomodar ao primado do bem comum.

Admito que, para alguns, o simples facto de eu misturar Jesus com a discussão política, económica, social, cultural cause um certo espanto, quiçá mesmo incómodo. Nós, católicos portugueses, acomodámo-nos demasiado a um cristianismo despolitizado. Também neste ponto, o Evangelho e a nossa hora presente parecem coincidir: o debate público precisa de quem testemunhe esse modo de ver a vida que se colhe em Jesus e no Seu Evangelho. E isso só poderá vir dos Seus discípulos. Dos discípulos desta hora. Dos de agora. De nós.