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P. Duarte da Cunha
A Coesão Social e a Missão da Igreja na Europa

De 3 a 5 de Setembro em Nicosia, Chipre, aconteceu o primeiro encontro da Comissão Caritas in veritate do Conselho das Conferências Episcopais da Europa. Esta comissão, que nasceu na sequência da Encíclica homónima do Papa Bento XVI, tem como objectivo principal promover os laços entre os vários responsáveis nacionais pela pastoral social. Como a própria encíclica insistia, este campo da pastoral hoje em dia é muito amplo e deve ser integrado. Pensemos nas questões económicas, mas também nos temas ligados ao cuidado pelos dons da criação, pensemos na pastoral e no cuidado pelos migrantes (imigrantes e emigrantes; jovens, refugiados, desempregados, ou investigadores, etc.) mas também não podemos descurar os temas políticos - nomeadamente as políticas europeias que são cada vez mais influentes na nossa vida quotidiana. Por fim recordemos esses campos onde a Igreja tem sido verdadeiramente protagonista - por vezes devendo remar contra a maré -   como são as questões da paz e da justiça, mas também da defesa da vida e da promoção da família. Ou seja, o objectivo é olhar para a vida social numa perspectiva englobante e perceber que a Igreja é chamada a estar presente em todas as dimensões da vida humana e a evangelizar todos esses espaços sociais. Evangelizar é, também, a única forma que promover o "desenvolvimento integral" da pessoa humana, porque, como dizia Bento XVI aos bispos da América Latina, quando se põe Deus de lado também a compreensão da realidade fica impossível.

Cerca de 20 países estiveram representados - infelizmente não esteve nenhum bispo ou representante da Conferência Episcopal Portuguesa - e aceitaram o desafio da Comissão do CCEE para discutir em conjunto sobre a delicada questão da coesão social na Europa e em particular sobre a missão da Igreja a este propósito. Este é um tema claramente relacionado com a actual crise, mas também um sintoma de que há problemas de fundo que precisam de ser enfrentados e que não podem ser compreendidos completamente sem o contributo da luz da fé e sem uma confiança na razão humana, como nos ensina o Papa.

A Igreja católica já por diversas vezes afirmou que a crise actual não é de natureza apenas económica e financeira, mas é sobretudo uma crise de confiança, um problema moral e uma falta de valores e, ainda antes, a crise tem a sua raiz num problema antropológico. É a desorientação sobre o que é a pessoa e qual é a natureza da sociedade humana que estão na base de toda a actual crise. A actual deterioração das relações sociais é disso um claro sinal. Paradoxalmente, a crise económica pode ser uma oportunidade oferecida para se repensar o caminho que está a ser trilhado e o que estamos a construir. Não apenas deve ser uma ocasião para os que querem fazer reformas nos sistemas económico-financeiro, mas a todas para todas as pessoas, para que se disponham com coragem a repensar o sentido da vida.

A crise económica é fonte de muitos sofrimentos e devemos, a todo o custo, aliviar e trabalhar para ultrapassar a crise, mesmo que para isso seja preciso partilhar sacrifícios. Precisamos sobretudo de estar atentos e próximos de quem perde o emprego ou deixa de ter dinheiro para viver dignamente como é justo. Mas, por outro lado, a crise, ao mostrar que o modelo egoísta, em que cada pessoa só pensa em si, é incapaz de se manter num crescendo económico, também desperta na pessoa humana outras dimensões da sua vida mais profundas e fecundas. A fé da Igreja ensina-nos que a pessoa é um ser social e que, portanto, não o indivíduo isolado mas a comunhão - com Deus e com os outros - pode experimentar a verdadeira liberdade e conseguir promover um desenvolvimento integral de todos e cada um.

É, por isso, que é preciso repensar os modelos sociais que temos vivido. Se, por um lado é verdade que vivemos no mundo ocidental numa paz sem guerra, pelo menos aparentemente, não podemos deixar, por outro lado, de verificar que a nossa sociedade é particularmente violenta. Nunca se mataram tantos inocentes como hoje em dia e com o beneplácito das leis, nunca se deixaram tantos idosos sozinhos como hoje, nunca os filhos estiveram tão entregues a si mesmos como hoje, nunca a exploração do corpo e do sexo teve as dimensões que tem hoje em dia. Tudo isso são exemplos de que é preciso repensar as nossas relações sociais não numa lógica puramente económica e individualista mas tendo em atenção a totalidade dos factores que constituem a pessoa  e que reforçam a coesão social.

A Igreja tem um papel especial a desenvolver neste momento da história. Ela tem que manter viva a consciência de que a pessoa é uma criatura e que, portanto, a sua relação com o Criador é fundamental. Por outras palavras, nenhum de nós pode considerar-se senhor absoluto da sua vida e, muito menos da vida dos outros, e nenhum de nós pode reduzir o outro e ele mesmo a uma coisa, porque todos nós fomos criados por Deus á Sua imagem e semelhança e, por isso, possuímos uma dignidade que não pode ser espezinhada. Desta experiência da pessoa como criatura, nas a percepção de que o fundamento da pessoa é a sua relação com o Criador, e é a partir desta relação que vem a tomada de consciência da dimensão moral da pessoa e a percepção do que é bom e mau. É, por isso, que a Igreja não se pode calar diante da desorientação moral que vem do fechamento da pessoa a Deus e da redução do desejo do coração do homem às coisas materiais. Ela sabe que sem Deus a pessoa humana torna-se inimiga da pessoa humana. Mas a Igreja não se limita a lembrar a lei natural inscrita pelo Criador no coração humano, ela, hoje como sempre, é chamada a testemunhar com a sua palavra e com as suas obras que acredita e experimenta que Jesus Cristo salvou o mundo e nos capacitou para vivermos o amor que é o verdadeiro remédio para a crise.