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P. Duarte da Cunha
Para um testemunho público de fé

Todos os anos, os secretários gerais das 38 Conferências Episcopais da Europa, representando a Igreja em mais de 40 países, encontram-se para partilhar o que de mais importante aconteceu em cada país, mas também para aprofundar alguma questão que seja de interesse de todos e, sobretudo, para estreitar os laços de amizade pessoal que, no tempo, se mostram fundamentais para testemunhar a unidade da Igreja na Europa.

Este ano, o encontro aconteceu em Edimburgo, na Escócia, de 29 de Junho a 2 de Julho. Como tema de fundo, estavam sobre a mesa as questões da presença pública da fé e da evangelização do mundo da política. Foram tratados diversos aspectos destes temas, mas queria sublinhar um desses, que se mostrou fundamental. Para se falar da presença pública da fé, em primeiro lugar, precisamos de ter uma ideia clara do que seja a fé. O crente, que acredita que Deus é o Senhor da vida, que experimenta a presença de Jesus Cristo ressuscitado no seu quotidiano e que se abre à graça de Deus, percebe que é chamado a testemunhar esta sua fé no modo como se empenha na vida social. Para se perceber bem este dinamismo da fé, é fundamental reconhecer a íntima relação entre a fé e a razão, como já João Paulo II explicou na sua Encíclica “Fé e Razão”. A ideia de que a fé é irracional, ou seja, que é algo da ordem do sentimento ou da intuição, não corresponde à visão cristã da fé. A fé é um encontro com Deus que abraça e ilumina toda a vida e faz ver melhor a realidade. Uma das insistências mais frequentes durante o encontro de Edimburgo foi exactamente de que a razão humana, quando iluminada pela fé, é capaz de perceber o que se passa e, por isso, a Igreja afirma que a fé é fundamental para descobrir as respostas para os desafios actuais na vida política e económica.

Através do contributo dos vários Secretários-Gerais, ficou claro que todos estão de acordo em reconhecer que o mundo actual tende a relegar Deus para a esfera privada e que é urgente a nova evangelização. O secularismo não é um fenómeno novo, mas é verdade que tem adquirido dimensões cada vez maiores, chegando mesmo a penetrar na mentalidade de tantos cristãos que aceitam, quase inconscientemente, dividir a sua vida de fé da sua vida quotidiana, como se a primeira fosse uma coisa fora da realidade, ainda que, por outro lado, como demonstram tantas sondagens, para a maioria dos europeus seja evidente que existe Deus e que há muitas coisas importantes para lá do que a razão “domina”. O grande debate de hoje é, por isso, entre uma razão entendida como uma caixa fechada, que se limita a descobrir os mecanismos da realidade para a dominar, ou como uma janela aberta que descobre o significado da realidade e que consegue abraçar não só o que vê mas também o Criador. A evangelização da Europa política não será, portanto, apenas de uma questão ética de mudar as regras, ou de ajustar as leis, nem será apenas a introdução de momentos de espiritualidade, mas tem que ver com a pessoa humana no seu todo e com o modo como ela está na vida: como percebe a vida e como se empenha na vida.

Há um direito, e, mais ainda, um dever da fé estar presente na vida pública. Não devemos achar que quando se fala de negócios ou de política é estranho falar de Deus. Estranho é o homem pensar que se pode salvar sozinho. Nos Estados Unidos, mas também nos países do Leste da Europa, é normal usar argumentos religiosos para apresentar as posições cristãs. Na Europa Ocidental, ainda somos tentados a pensar que é mais eficaz pôr entre parêntesis a nossa fé para fazer alianças com os não crentes em questões sociais, na ilusão de um mundo mais humano ainda que sem Deus. Certamente que em certos momentos e em vista de metas concretas, pode ser preciso começar por apresentar a nossa defesa da vida e da família, ou a necessidade de atender aos mais pobres, sem avançar logo com argumentos religiosos, mas não devemos ter vergonha de explicar que a razão de fundo que nos move é a fé, e de que é exactamente por isso que estamos certos do que queremos, porque é essa fé que nos faz ver com clareza o que se passa e o que devemos fazer.

A cultura actual, marcada pelo materialismo prático, pelo individualismo e pelo hedonismo, está num beco sem saída. Ou a fé abre o caminho, e, por isso, é capaz de mostrar que a vida material não basta, que a pessoa foi criada para viver em comunidade e que para lá do prazer imediato há a alegria que vem da experiência de amar e de ser amada como pessoa, ou a Europa não terá futuro. Durante a reunião de Edimburgo, os secretários gerais puderam ouvir o professor John Haldane, da Universidade de St. Andrews, que fez um apelo a que a Igreja se empenhe naquilo a que chamou de "renascimento intelectual". Bispos e sacerdotes, religiosos e leigos têm de continuar a procurar aprofundar a sua capacidade de dar testemunho publicamente da fé no mundo de hoje. Isto está de acordo com o apelo do Santo Padre a proclamar o Ano da fé.