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P. Duarte da Cunha
Da comunhão nasce a missão

A experiência ensina que uma pessoa real é sempre muito mais do que a soma das coisas que possamos dizer dela. A mesma razão torna evidente que um encontro com uma pessoa ultrapassa tudo o que possamos ler sobre ela. E, ainda na mesma linha, na Igreja, participar a um encontro, discutir em conjunto questões importantes sobre as quais uma pessoa sozinha não consegue ver tão bem, e mais ainda, rezar com outros, é uma experiência que não se pode comparar à leitura de um documento. Ler documentos é importantíssimo e pode ajudar a perceber muita coisa, mas não consegue testemunhar a densidade humana que existe num encontro de amigos e, mais ainda, de pessoas que partilham a mesma fé.

O encontro entre bispos da Europa e bispos de África foi um exemplo muito claro disto mesmo. Do dia 13 ao dia 17 de Fevereiro em Roma, 70 bispos, vindos de todas as partes dos dois continentes, desde Joanesburgo até à Reykjavik, estiveram reunidos durante quatro intensos dias de diálogo, de oração e de partilha de experiências. O resultado, como acontece nas coisas do Evangelho, não é uma qualquer mudança imediata de estruturas ou de métodos. Ninguém volta para casa para fazer uma revolução. O que se pode esperar é algo que assenta na providência de Deus e que muitas vezes é de tal forma discreto que quase não se vê. Estes encontros são momentos fortes que têm algo de semelhante com a sementeira, mais do que com a colheita. O que acontece é como a pequena semente da mostarda, que só se torna visível com o suceder-se de encontros. Só regando as relações humanas estas vão-se aprofundando para que daí decorram decisões, propostas, ideias concretas que alteram o rumo da história. Estes frutos, de facto, precisam de raízes e, por isso, só são possíveis de serem encontrados quando houve paciência de esperar. Se alguém vai a um encontro e quer que no dia seguinte algo de substancialmente diferente exista em sua casa ou na casa dos outros, acaba por viver de sonhos e não se apercebe da beleza da realidade. Com o tempo, fica desanimado ou empedernido está sempre a dizer mal de tudo e de todos.

É como ir a um retiro, a uma peregrinação, ou à simples missa dominical. Ou como ir à festa de um familiar, a um encontro de colegas ou a um passei de amigos. No fim voltamos, de certa maneira na mesma. E, no entanto, algo foi semeado. Quem arrisca regar o que aconteceu e sabe esperar com empenho para não perder o que descobriu, mas antes para cultivar e deixar que a realidade se deixe embeber por essa seiva, acaba sempre por conseguir colher frutos.

No encontro entre bispos dos dois continentes, aquilo que mais evidente se viu não tem imediatamente que ver com algo que se deve fazer, mas com a constatação de algo que já existe e que é dom de Deus ainda antes de ser obra dos homens, ou seja, a comunhão. A comunhão como um facto que tem a sua origem em Deus e que se manifesta na experiência de termos uma mesma fé, uma mesma missão e um mesmo Senhor. Num mundo marcado por divisões, por desconfianças, por egoísmos, constatar a realidade de uma comunhão que existe já e um sinal importantíssimo, ainda que possa não ser percebido por todos. O certo é que os bispos comovidos insistentemente frisaram o facto de se sentirem mesmo uma só Igreja seja, presente na Europa ou em África, mas não duas realidades. As culturas, as histórias, as circunstâncias sociais e políticas são diferentes, mas a unidade da Igreja não depende disso, é anterior e, por isso, pode dar a este mundo uma nova esperança. A esperança que nasce por não se estar fechado em si mesmo mas aberto a Deus.

O encontro tinha também um fio condutor: a nova evangelização, e nesse sentido foi muito claro que esta não é fruto de uma estratégia ou de um projecto humano, mas o resplandecer da luz de Cristo que se faz presente e visível na comunhão da Igreja. Dois factos reforçaram esta experiência. A audiência que o Santo Padre concedeu, oferecendo uma reflexão que apontava para a missão, a partir da santidade. E a peregrinação a Manoppello, ao santuário do "Volto Santo", ou seja, do véu onde está gravado o rosto de Cristo e que se crê ser a relíquia mais importante da Igreja. Terminar o encontro com esta peregrinação, permitiu tornar evidente que não se tratava de uma reunião de administradores da pastoral, mas de homens tocados pela beleza de Cristo, a quem deram toda a vida, que procuram, onde quer que Deus os tenha colocado, anunciar a salvação.