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Guilherme d'Oliveira Martins
Força e fraquezas da família.

Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar a vida familiar como uma abstração, mas como realização da pessoa humana enquanto ser de relação. De facto, a família tem de ser considerada como realidade complexa com uma evolução dinâmica. Longe da antiga natureza patriarcal, encontramos hoje diversas configurações, que temos de ter presente (Cf. Força e Fraquezas da Família, tradução de João Bénard da Costa, Morais, 1959). De facto, o bom funcionamento da sociedade deve decorrer de estruturas familiares fortes e coesas, abertas e de confiança, capazes de garantir um sentido de responsabilidade comunitária e de solidariedade humana.

Não há um modelo único de família, o que não pode fazer-nos esquecer que estamos perante o núcleo essencial da vida comunitária, que visa um desenvolvimento harmonioso da sociedade. A força e a coesão obrigam à liberdade, à partilha, e à recusa de espaços fechados e rígidos longe do diálogo e da verdade. Se é certo que as sociedades contemporâneas alimentam no seu interior tensões entre o individualismo e o sentido solidário, a verdade é que importa construir relações estáveis de confiança, atenção e de cuidado, capazes de integrar as novas realidades como as famílias alargadas.

A relação entre a Ética e Sociedade reporta-se à noção de cidadania. Na antiguidade, a cidadania era exclusiva, pois apenas se referia a alguns membros da cidade – as mulheres, as crianças, os vencidos, os escravos não tinham direito de cidadania. Nesse sentido era excluído um número significativo de pessoas. Hoje, a cidadania tende a ser inclusiva, designadamente nos direitos de participação e na vocação emancipatória – abrangendo todos. Só no século XX as mulheres obtiveram o reconhecimento dos direitos de cidadania. Ao considerar a “polis”, cidade na língua grega, “civitas” na expressão latina, entendemos a necessidade de ver a sociedade como um lugar inclusivo de descoberta do outro, de respeito mútuo e de salvaguarda do bem comum. “O sentido da família é a descoberta dum nós de intimidade social” (p. 64).

A sociedade democrática pressupõe a liberdade e a igualdade, a igualdade e a diferença e o valor inviolável da dignidade da pessoa humana para todos. Essa realidade inicia-se na família, encarada como instituição mediadora por excelência, fator de paz e de diálogo. Daí a importância do entendimento da cidadania inclusiva, apesar dos entraves e bloqueamentos, ditados pela imperfeição na concretização e respeito dos direitos fundamentais. Para garantir o respeito de todos e a concretização da Declaração Universal dos Direitos Humanos (1948), de modo a assegurar que todos os seres humanos nasçam e vivam livres e iguais em dignidade e direitos, é necessário que a Ética anime uma Moral civil aberta e plural, assente na dimensão universalista da dignidade humana. Na expressão de Adela Cortina: como primeira providência para manter os pilares básicos da democracia, deve garantir-se o primado da lei, a separação de poderes, o pluralismo, as eleições regulares como marco do Estado Constitucional de Direito e o respeito pela família e pela autonomia da pessoa em lugar da imposição de programas fechados. Assim devem fortalecer-se os pilares do Estado social de Direito, enquanto Estado de justiça que protege os direitos civis e políticos, mas também económicos, sociais e culturais. Paul Ricoeur fala, assim, de filosofia da pessoa humana. A democracia é um sistema de valores e não uma doutrina de salvação que pretende integrar a vida toda, estando obrigada a assentar em bases de justiça.

No Estado de direito democrático encontramos: o primado da lei, geral e abstrata para todos, a legitimidade do voto, a legitimidade do exercício, a responsabilidade e a prestação de contas, bem como a referência ao valor da justiça. Daí a importância das diferenças e do pluralismo (não confundível com relativismo) e da incomensurabilidade dos valores, como refere Isaiah Berlin. Impõe-se não esquecer a equidade, a responsabilidade e a conjugação de direitos e deveres, como faces da mesma moeda. Ao falar de Ética, de facto, referimo-nos a fins e a meios. E, referindo-nos à inteligência artificial, temos de perguntar: “poderão os robôs substituir as pessoas»? Os robôs, porém, são instrumentos, segundo Adela Cortina, que não tendo emoções, não servem para governar a sociedade e os cidadãos de uma sociedade democrática, mas servem apenas como ajuda na tomada de decisões. A vida política precisa de pessoas, feitas de razão e de sentimentos (como refere António Damásio) capazes da justiça e da compaixão. E é necessário que os cidadãos assumam o seu papel de facilitadores da vida pública e que a sociedade civil apresente propostas diferenciadas do que em verdade querem e podem realizar, não se limitando a usar palavras vazias. “Fazedora de sociabilidade, a família faz das pessoas seres completamente sociais. Por um lado, enquanto educadora, moraliza e socializa o indivíduo, fazendo dele um ser capaz de vida social; por outro lado, enquanto instituição, mantém com os outros grupos, principalmente a profissão, a pátria e o Estado, relações particulares. A família define assim o próprio princípio da função de sociabilidade” (p.103).

 

Guilherme d’Oliveira Martins