Artigos |
Guilherme d'Oliveira Martins
Amizade exemplar

Conheci o meu amigo João Seabra no Liceu Pedro Nunes no princípio dos anos sessenta e esse conhecimento foi-se aprofundando ao longo do tempo. As nossas primeiras conversas, lembro-me como se fosse hoje, foram sobre as atividades da JEC, Juventude Escolar Católica, entre o apoio social, o testemunho e a renovação do Concílio Vaticano II a que então se assistia. Era necessário compreender o novo tempo e os novos desafios da justiça e da paz. João Seabra teria 14 anos, e já tinha a abertura e a jovialidade que o tempo foi continuando a revelar.

A transcendência era um apelo exigente e constante, que já marcava a sua vida e as suas preocupações. Estava ainda longe das escolhas eclesiais que oportunamente faria, mas elas já se anunciavam e sobretudo tinha já o gosto da organização e do trabalho da solidariedade e da entre-ajuda. O tema das bem-aventuranças era fundamental nas suas prioridades e preocupações. Nessa altura, o Concílio era uma grande esperança e o exemplo do Papa S. João XXIII era motivo de especial admiração!

 

E a minha lembrança desse tempo tem a ver sobretudo com o entusiasmo e com um grande sentido de humor de João Seabra. Ao longo da vida, fomo-nos encontrando sempre, entre amigos comuns, em muitas conversas, na invocação de seu Pai e de seu tio Afonso Botelho, fundadores do Centro Nacional de Cultura, em convites para partilhar reflexões, como pároco da minha freguesia de então. O estado de espírito continuou a ser o mesmo que encontrei quando nos conhecemos. Há dias, em Roma, na Biblioteca Vallicelliana, fundada pelo português Aquiles Estácio, onde está bem presente a memória de S. Filipe Neri, lembrei a proximidade entre o fundador dos Oratorianos e João Seabra, ambos cultivavam um método pastoral baseado na casuística, no culto do paradoxo, na leitura, numa lógica aberta e persuasiva, feita de conclusões seriamente fundamentadas, mas propositadamente inesperadas, que obrigavam a refletir, a pensar a ser e a agir. Foi um leitor, desde muito jovem, de Chesterton e entusiasmava-o o non-sense que se poderia tornar um modo de demonstrar os limites e o erro das posições fechadas e definitivas.

Também a aproximação de Luigi Giussiani e de Comunhão e Libertação teve a ver com essa sede inesgotável de atenção e de cuidado relativamente à compreensão dos outros e a necessidade de uma aprendizagem rigorosa, mas baseada num humanismo aberto e inteiro. A educação dos jovens, a preparação para o dia a dia, a ligação entre cultura e ciência e entre fé e razão entusiasmavam-no. Por isso, as rotinas e as repetições nunca o convenciam.

A compreensão do mistério do tempo e da história esteve igualmente sempre presente no seu múnus. Tinha uma grande paixão pelo conhecimento histórico e pela análise crítica dos acontecimentos ligados à vida da Igreja, em especial em momentos críticos como o pombalismo e a I República.

Era alguém que amava intensamente a vida, as suas surpresas e incertezas! E era a busca da Verdade e da Vida que estava sempre presente!

 

foto por Diogo Paiva Brandão