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P. Duarte da Cunha
Caminhar juntos

Está muita coisa a acontecer no nosso mundo e na nossa Igreja. E, evidentemente, também nas nossas vidas pessoais e familiares, nos trabalhos e nos grupos de amigos. Uma coisa parece clara, a intuição do Papa que leva a Igreja a pensar na sinodalidade tem algo de profético. É algo que vem desafiar o mundo, mas antes de mais a Igreja, a pensar neste facto tão simples, que é o de que o dualismo e as divisões, ainda que possam ser uma tentação, pois facilitam as narrativas, nunca fazem jus à verdade. A verdade é complexa e muitas vezes, como dizia Romano Guardini, é preciso ver as polaridades, não para afirmar divisões, mas para perceber que a unidade tem de respeitar os vários polos.

Vou tentar exemplificar, deixando depois para cada leitor o aprofundamento destas polaridades, que são um desafio quando pensamos no que deve caminhar junto. Não só junto, no sentido de perto uns com os outros, mas verdadeiramente unidos interiormente. Juntos não quer dizer justapostos ou paralelos, mas também não quer dizer diluídos, como acontece quando cada um dos polos deixa de existir. Quer dizer em íntima relação. Cada um dos polos é importante e não desaparece, mas só se compreende plenamente quando unido ao outro.

Assim, na vida real que se quer fiel à verdade e à vontade de Deus, é importante que a fé e a vida quotidiana caminhem juntas, e, para isso, é importante que a oração e as tarefas também caminhem juntas, para que a nossa fé e a nossa oração, que nos relacionam com Deus, penetrem as relações humanas que vivemos e tudo o que fazemos. Isto leva a também dizer que a nossa actividade e a nossa consciência devem caminhar juntas. Por outras palavras, que a nossa capacidade de reconhecer o que é bem e o que é mal seja iluminada pela fé, e conduza o nosso agir, ao mesmo tempo, que o confronto quotidiano com a realidade, que acontece no nosso agir, alimente a nossa capacidade de discernir.

Também devemos desejar que a Graça de Deus e a nossa liberdade, assim como a fé e a razão, caminhem juntas. Temos consciência de precisar de Deus, mas também sabemos que Deus não só não dispensa o nosso sim como o suscita e lhe dá pleno sentido. Com a Graça, a nossa liberdade é mais livre e com o nosso sim livre, a Graça é mais eficaz; com a fé, a nossa razão pensa melhor e com a razão a pensar, a nossa fé é mais penetrante.

Daqui se poderá ainda constatar que é importante que a pergunta pelo sentido da vida e a resposta que encontramos em Jesus Cristo, caminhem juntas. Não aconteça que procuramos o que não existe (uma utopia) e não nos damos conta de que Jesus, que é real, é a resposta às exigências mais profundas do nosso coração. Assim, também o espanto perante os dons presentes e o desejo do que nos falta devem caminhar juntos, para não nos tornarmos uns sonhadores desesperados e ingratos que não se dão conta do que têm, nem nos conformarmos de forma preguiçosa com o que já temos.

Aliás, é fundamental que, nas relações humanas e nas relações com Deus, o pedido que exprime o que nos faz falta e o agradecimento por quanto nos é dado caminhem juntos. Quem pede e recebe agradece e quem agradece constata que a sua vida foi agraciada, ou seja, é amada. Isto recorda outro par que deve caminhar junto: memória e criatividade. Nem há criatividade a partir do zero ou que dispense a memória, nem devemos ficar a olhar para o passado de forma saudosista sem sentir a responsabilidade que a herança do passado nos chama a assumir. Num sentido ainda mais concreto, isto quer dizer que tantas vezes devemos avançar e arriscar, e outras vezes devemos esperar e corrigir. Porque também medo e coragem caminham juntos, para evitar que um destemido se torne num afoito que se autodestrói, ou que o medo paralise e não leve à procura de soluções e de ajudas.

Por fim, podemos, ainda, dizer que na vida familiar, eclesial e social é fundamental que marido e mulher, mas também pais e filhos, padres e leigos, movimentos e paróquias, colégios e paróquias, trabalho e família, diversas nações caminhem juntos. Cada um dos polos tem e deve desenvolver a sua identidade e a sua missão, mas precisamos todos uns dos outros. A guerra, a uniformização ou o fechamento em si não são formas de realizar a nossa humanidade. Precisamos da sinodalidade, não como um mínimo denominador comum que anula as diferenças, mas como expressão do amor que valoriza o outro, ao mesmo tempo que leva cada um a assumir a própria missão e faz com que todos olhem juntos para a meta e se ajudem caminhando juntos.