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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Os filhos são dos pais ou do país?

O Patriarca de Lisboa e o Bispo de Aveiro, Presidente da Comissão para a Educação Cristã e Doutrina da Fé, da Conferência Episcopal Portuguesa, subscreveram, entre outros, o manifesto “Em defesa das liberdades de educação”, que tem por autores o Prof. Mário Pinto e o Prof. Manuel Braga da Cruz, ex-Reitor da UCP.

O título desta declaração programática, que também subscrevi, expressa bem o que está em causa: as liberdades de educação. Com o pretexto de que os direitos humanos não são opináveis, pretende-se impor aos alunos uma agenda ideológica, que não só não tem qualquer fundamento científico, como contradiz a doutrina social da Igreja.

A quase ausência de eclesiásticos entre os cento e vinte signatários deste manifesto – apenas dois bispos e um padre – explica-se pela natureza essencialmente civil desta intervenção cívica, que não tem carácter religioso, nem nenhuma conotação político-partidária. Mais do que a ortodoxia doutrinal de um determinado programa de uma disciplina do ensino oficial, questiona-se o direito à objecção de consciência, bem como a liberdade de pais e alunos se oporem a determinados conteúdos ideológicos.

Por estranho que pareça, estes dois direitos estão formalmente reconhecidos na Constituição da República Portuguesa. Com efeito, no número 6 do seu artigo 41º, diz-se que “É garantido o direito à objecção de consciência, nos termos da lei”. Por sua vez, no artigo 43º, sobre a “liberdade de aprender e ensinar”, prescreve-se, no número 2, que “O Estado não pode programar a educação e a cultura segundo quaisquer directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas.”

Não obstante estes preceitos constitucionais, que salvaguardam o direito à objecção de consciência e proíbem o ensino ideológico, a verdade é que o Governo, por intermédio do Secretário de Estado Adjunto e da Educação, não reconheceu o direito à objecção de consciência dos pais de dois excelentes alunos que, por esse motivo, foram obrigados a regredir dois anos lectivos, embora esta decisão tenha sido suspensa temporariamente por uma providência cautelar.

A recusa em aceitar, relativamente a certos conteúdos ideológicos, o recurso à objecção de consciência, indicia uma lógica autoritária. Há, com efeito, uma tendência à uniformidade do ensino, quer por via da asfixia do ensino não estatal, quer também pela imposição autocrática de programas únicos, ou de conteúdos obrigatórios, contrários à proibição do nº 2 do artigo 43º da Constituição. É óbvio que se pretende um ensino oficial único, que todos sejam obrigados a frequentar e em que todos devem pensar da mesma forma, segundo os mesmos critérios e normas. A homogeneização do ensino obedece, como é óbvio, a um projecto político e social totalitário.

Por outro lado, a pretensão de proibir aos pais qualquer intervenção em relação à educação dos filhos, com o pretexto de que os direitos humanos não são disponíveis, nem discutíveis, expressa a convicção que os filhos são, sobretudo, do Estado. Neste sentido, aos pais competiria ajudar subsidiariamente na sua educação, mas segundo as “directrizes filosóficas, estéticas, políticas, ideológicas ou religiosas” oficiais, sob pena de que, se o não souberem fazer, os filhos lhes sejam retirados e entregues às instituições estatais.         

Neste debate, enfrentam-se duas lógicas diametralmente opostas: por um lado, a corrente estatista e autoritária, que considera que os filhos são do Estado, que os cede aos pais para a sua educação; pelo outro, os defensores da liberdade educativa, que entendem, como é natural, que os filhos são dos pais, que recorrem ao Estado para que os ajude na componente técnica e científica da sua formação académica.

Não restam dúvidas de que a lei fundamental portuguesa opta, claramente, por este segundo modelo, mas uma tal constatação não é suficiente. Com efeito, a Constituição também declara a inviolabilidade da vida humana e, não obstante, permite-se, no nosso país, o aborto legal e pretende-se também legalizar a eutanásia.

Se, agora, todos os pais e educadores não se mobilizarem, pela defesa da liberdade de educação, nomeadamente subscrevendo esta petição, também pode acontecer que prevaleça a corrente estatista e autoritária. Esta tendência potencialmente totalitária já domina o Ministério da Educação, predomina no Governo e poderá ser também maioritária no Tribunal Constitucional. Se os órgãos de soberania e jurisdicionais entenderem que os filhos são, como acontece nos regimes totalitários, mais do país do que dos pais, poderiam ser legalmente subtraídos às famílias, sempre que estas não se identifiquem com a ideologia oficial.