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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Mãe e Mestra

Nestes tempos de relativismo, nem sempre é fácil negar um pedido de algum paroquiano, até porque uma atitude de coerência com o Evangelho é rapidamente tida por rígida ou, pelo menos, carente de sentido pastoral.

Há já algum tempo, fui abordado por um ‘recasado’, ou seja, uma pessoa que tinha casado canonicamente com alguém de quem se divorciou, tendo-se depois ‘casado’ civilmente com outra pessoa. Constava-lhe que o Papa Francisco tinha autorizado a comunhão aos fiéis nessa situação, e queria saber se o podia fazer.

Muitas vezes, os meios de comunicação social transmitem, como sendo do Papa, palavras que Francisco nunca disse, nem podia obviamente dizer. É evidente que os ‘recasados’ não estão, em princípio, aptos para receber a sagrada comunhão, mas pode haver pessoas que, estando nessa situação, podem, contudo, comungar. Para esse efeito, é necessário que se verifiquem uma série de pressupostos e, portanto, só depois de um sério processo de discernimento é possível concluir que uma pessoa nessas circunstâncias pode, mais por via de excepção do que por regra, comungar. Para este efeito, a pessoa em questão expôs-me a sua situação e antecedentes, que registei para, depois, estudar o caso em função do magistério da Igreja.

No nosso seguinte encontro tive de lhe manifestar, com clareza, mas também com solicitude pastoral, que não me parecia que estivesse em condições de receber a Eucaristia. Não obstante, disse-lhe que era, para todos os efeitos, um fiel de pleno direito e que, como tal, se devia comportar, aceitando, no entanto, as inabilitações decorrentes da sua opção de ‘re-casar’, de que ele era, aliás, consciente. Assim sendo, parecia-me mais coerente que se abstivesse de receber a Eucaristia, uma vez que constava que o seu casamento canónico era válido e vivia em intimidade matrimonial com quem não era o seu legítimo cônjuge.

Em consciência, entendi que não lhe podia dar outro conselho, embora temesse que a sua reação não fosse a melhor, pois a sua consulta evidenciava uma expectativa que se gorava com essa minha resposta. Também receei que, ante esse resultado negativo, procurasse quem lhe dissesse o que, decerto, queria ouvir e que não teria dificuldade em encontrar. Os doentes que não gostam das dietas, ou tratamentos, impostos pelo seu médico, facilmente encontram algum clínico, menos escrupuloso, que lhes faça a vontade, mesmo quando não é o que mais convém à sua saúde.

No entanto, para meu espanto, o meu interlocutor disse-me que essa era também a sua opinião e, portanto, continuaria a abster-se de comungar, pelo menos enquanto estivesse nessa situação canonicamente irregular. Confesso que, talvez pela minha pouca fé, fiquei muito gratamente surpreendido pela rectidão da sua consciência cristã.

A Igreja é Mãe e Mestra e, como tal, deve compaginar o amor que solicitamente manifesta por todos os seus filhos, em especial pelos mais necessitados, espiritual ou materialmente, com a exigência própria da verdadeira caridade. Se as mães são tão rigorosas em tudo o que diz respeito aos seus filhos é, precisamente, por razão do seu amor. É também por amor que lhes dizem que sim, quando assim convém para a sua educação; ou que não, quando pedem alguma coisa contrária à sua felicidade terrena, ou eterna.

Quando, num repente de mau-génio, uma mulher que tinha sido resgatada à má-vida, disse que ia voltar para a actividade que antes exercia, Santa Maria Micaela deu-lhe uma bofetada, de que logo se arrependeu e lhe pediu desculpa. No entanto, a infeliz mulher teve uma reação surpreendente: ‘Foi então que percebi quanto me amava, porque a minha mãe teria feito exactamente o mesmo!’ Escusado será dizer que nunca mais se insurgiu contra os seus conselhos, mesmo que contrários à sua vontade, não por medo à santa, diga-se de passagem, mas porque era ciente do seu amor maternal.

Com certeza que a violência física nunca é solução, nem pode ser usada em caso algum como remédio pastoral, mas os fiéis não querem pastores que sejam cúmplices das suas fraquezas e debilidades, mas autênticos ministros de uma Igreja que seja verdadeira Mestra do caminho da santidade, com a exigência e ternura de uma verdadeira Mãe.

 

P. Gonçalo Portocarrero de Almada