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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A revolução do presépio

Neste Natal, faça o presépio! Este é o conselho da primeira-ministra italiana, Giorgia Meloni, num vídeo que se tornou viral nas redes sociais. A governante italiana, depois de ter dedicado muitos anos à instalação da tradicional árvore de Natal, de que se considera uma verdadeira especialista, optou agora por substituir esse ícone natalício pelo presépio.

Foi São Francisco de Assis, talvez o mais famoso santo italiano, quem iniciou a devoção cristã do presépio, como uma espécie de representação, ou auto, do mistério do nascimento de Cristo. Para o efeito, centrou-se sobretudo na narrativa de São Lucas, mas sem esquecer o texto paralelo de São Mateus. Embora as duas versões sejam coincidentes no essencial, como é o nascimento do filho de Maria, sempre virgem, em Belém de Judá, diferem em relação a alguns pormenores.

Com efeito, o texto de Lucas, que se supõe destinado preferencialmente aos gentios, sublinha a humildade e pobreza do nascimento de Jesus, pela referência ao local em que o mesmo aconteceu, por não haver lugar para eles na pousada, bem como pela companhia dos pastores, gente simples que, no entanto, foram as primeiras testemunhas do Verbo feito carne. Pelo contrário, a narração de Mateus, que escreveu sobretudo para os judeus que aguardavam a vinda de um Messias investido da dignidade real, sublinha os factos que atestam essa sua expectativa, como é a circunstância de ter sido regiamente homenageado pelos misteriosos Magos do Oriente, que lhe entregaram presentes dignos da sua condição real, bem como a penosa perseguição a que é obrigado pelo implacável Herodes, que temia ser destronado pelo recém-nascido Rei dos Judeus.

A chefe do Governo italiano, no seu jeito muito directo e interpelativo, não ignora que é desafiante, nos tempos que correm, festejar publicamente uma efeméride cristã, que alguns entendem ser de bom tom dissimular. Os defensores de um Natal mais discreto, ou menos cristão, dizem que o recurso à simbologia cristã dificulta o bom entendimento social, pois seria ofensivo para os crentes de outras religiões e, até, para os ateus e agnósticos. Em nome da concórdia e da paz entre todos os povos, acham preferível optar por uma mensagem neutra e, portanto, mais inclusiva também.

A esta questão, Giorgia Meloni responde de forma assertiva e convincente, recordando que Jesus de Nazaré não é apenas o fundador de uma religião, o Cristianismo, mas o fundamento da cultura humanista que foi e, de certo modo, ainda é a ‘alma’ da Europa. O Natal não é apenas símbolo da nossa fé cristã, é também expressão da nossa identidade cultural humanista.

A suposição laicista de que a celebração do Natal, em âmbitos não exclusivamente pessoais, familiares ou religiosos, poderia ser ofensiva para outros crentes e, até, para quem não professa nenhuma religião, não faz sentido. Quem se pode sentir incomodado pelo nascimento de uma criança, que foi reclinada numa manjedoura, por não haver lugar para ela na hospedaria?! Na sua pobreza, aquele recém-nascido apela à solidariedade e ao respeito pelo próximo. A sua dramática indigência interpela-nos, porque também nós estamos chamados a socorrer os mais necessitados, nos quais, decerto, devemos ver e amar Jesus, como aliás Ele próprio disse. Portanto, a mensagem do Natal, para além do seu significado religioso, apenas perceptível para quem tem fé, tem abrangência universal, que é válida para todos os seres humanos, qualquer que seja a sua religião, etnia, ideologia política ou condição socioeconómica.

Que a presença do presépio nos nossos lares, nos nossos prédios, nas nossas empresas e outros locais públicos, seja uma afirmação da nossa identidade cristã e uma interpelação que nos ajude, neste fim de ano, a viver melhor a caridade para com todos. Que a presença do Menino-Deus nos enterneça e comova! Que o olhar carinhoso de sua Mãe, Maria, ateie nos nossos corações o fogo que o seu divino Filho veio trazer à terra! Que, nestes tempos difíceis, nos tranquilize a serena presença de José!

Sobretudo, que nesta quadra saibamos fomentar, nas nossas famílias e lugares de trabalho, um ambiente que seja verdadeiramente natalício, porque fiel réplica da oficina de José e do lar da Sagrada Família em Belém e Nazaré.

 

P. Gonçalo Portocarrero de Almada