Artigos |
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Católicos militantes!

É conhecido o aforismo: ninguém pode mergulhar duas vezes na mesma água do rio, porque esta está em contínuo movimento. O mesmo se pode dizer do tempo: embora haja rotinas que se repetem, nunca se regressa ao passado e o presente é sempre novo. Mas o começo de mais um ano pastoral é, certamente, uma oportunidade a não perder.

Há uma circunstância muito especial, que marca este recomeço. Pouco mais de um mês decorrido sobre a realização da Jornada Mundial da Juventude, em todos perdura ainda a grata memória desses dias inolvidáveis, não apenas pela presença do Santo Padre, mas também pela inumerável multidão de jovens peregrinos, que reavivaram em nós o entusiasmo da fé, recordando-nos que a Igreja, não obstante os dois mil anos decorridos, continua jovem e pujante. O seu testemunho de alegria e de coragem abriu uma nova etapa na história bimilenar da Igreja. Importa que essa mensagem não seja apenas uma feliz recordação, mas um talento que se traduza em propósitos de evangelização.

Outra jubilosa circunstância caracteriza este começo do novo ano pastoral em Lisboa: temos um novo Patriarca! Se foi com pena, profunda gratidão e estima que nos despedimos do Cardeal D. Manuel Clemente, que durante tantos anos nos serviu e guiou com exemplar dedicação, como padre, Bispo auxiliar e, por fim, Patriarca, foi também com grande alegria que acolhemos o novo Patriarca de Lisboa! A sua rápida nomeação – algumas dioceses portuguesas esperaram vários meses, ou ainda aguardam, a substituição dos seus Bispos – é também motivo de acção de graças a Deus e ao Papa. Bem-vindo e bem-haja, Senhor D. Rui!

Também não pode ser esquecida a realização, em breve, da assembleia sinodal convocada pelo Santo Padre, depois de ouvidas as paróquias e dioceses do mundo inteiro. Embora só uma minoria de fiéis tenha participado, efetivamente, nos trabalhos de preparação do Sínodo, a todos foi dada a possibilidade de intervir na sua realização, o que é uma novidade digna de menção.

Esta auscultação da opinião pública eclesial ainda carece, certamente, de afinação, mas criou uma dinâmica salutar, na medida em que todos os fiéis, qualquer que seja o seu estatuto eclesial, foram convocados para participarem neste processo, tomando assim consciência de que ninguém é apenas um mero destinatário do magistério eclesial: “todos, todos, todos” somos chamados à santidade e ao apostolado na Igreja, como recordou o Papa Francisco, evocando o principal ensinamento do Concílio Vaticano II. 

Como é óbvio, esta responsabilização de todos os cristãos não deve ser realizada à custa da unidade da fé, nem da integridade da moral católica, que não podem ser questionadas. Mas é evidente que, salvaguardado o depósito da fé, podem-se e devem-se procurar novos caminhos de evangelização, que envolvam todos os fiéis.

É conhecida a distinção, pouco ortodoxa, entre cristãos praticantes e não praticantes. Na realidade, do mesmo modo como um desportista não praticante não pode ser tido como tal, também um cristão, que não vive a sua fé, o não é em sentido próprio. A fé não é apenas, nem principalmente, uma teoria com que se concorda, mas uma realidade existencial, um modo de vida configurado com Cristo. Por isso, como ensina São Tiago, uma fé sem obras está morta.

Por outro lado, a prática religiosa não pode ser reduzida à participação em actos cultuais, pois não é menos importante o exercício das virtudes cristãs. Seria certamente ridículo considerar que é um bom católico um fiel que não falta à Eucaristia dominical, mas que não é fiel ao cônjuge, ou não é honesto na sua vida profissional. Mas também o cônjuge fiel e o bom profissional não podem dispensar a participação litúrgica, que é essencial à vida da fé.

É necessário, mas não suficiente, ser fiel praticante, porque ser cristão é, na expressiva linguagem de São Paulo, uma militância. Portanto, todos os fiéis, cada qual de acordo com a sua condição eclesial, devem assumir este bom combate da fé, não apenas pela sua inserção activa na vida paroquial, mas também pelo seu modo cristão de agir na família, no trabalho, na vida social, política, etc.

Em boa hora, a diocese de Lisboa recebeu, como seu Patriarca, um Pastor que exerceu o ministério episcopal junto das forças armadas e de segurança. A sua nomeação não só recorda que somos chamados à militância cristã, mas também que todos – sacerdotes, religiosos e leigos – fomos mobilizados para a missão.

 

P. Gonçalo Portocarrero de Almada
foto por Arlindo Homem