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Pedro Vaz Patto
Amar até ao fim

Durante algum tempo, eu e a minha mulher colaborámos em cursos de preparação para o matrimónio. Procurei sempre transmitir aos noivos que nos ouviam a noção do casamento como muito mais do que uma formalidade (uma questão de “papéis”) ou uma ocasião de uma sumptuosa festa. Esforcei-me por transmitir a noção do casamento como uma doação pessoal recíproca e total, sem reservas ou condições, para toda a vida. De acordo com as palavras do rito, trata-se de amar e ser fiel «tanto na saúde como na doença, tanto na prosperidade como na provação». Uma promessa que a todos comove no momento da celebração, da festa e das fotografias, mas que se torna real e concreta, por vezes até heróica, nos momentos mais difíceis e dolorosos.

Quando falava deste tema, eu tinha em mente vários exemplos reais. Acima de todos esses exemplos, tinha presente o testemunho do meu tio Luís Godinho Gonçalves, que durante vários anos cuidou da esposa, cuja saúde se foi degradando progressivamente até à completa imobilização. A esse cuidado, o meu tio dedicava praticamente todos os seus dias. «Às vezes gostaria de passear e ir ver o mar; mas não posso deixar a minha mulher sozinha» - foi o que lhe ouvi várias vezes. Dizia-o sem qualquer sinal de lamento ou queixume, porque se sacrificava por amor à esposa, um amor que nunca esmoreceu e se foi fortalecendo ao longo de mais de sessenta anos. Amou sem reservas até ao fim da vida terrena da minha tia.

Uma neta e o namorado, por ocasião do dia dos namorados de há alguns anos, elaboraram um pequeno vídeo com este testemunho a que associaram a frase: «no dia dos namorados, pensa no que realmente importa». Um vídeo que foi amplamente divulgado e que a muitos sensibilizou e comoveu.

Há poucos dias, chegou a vez de o meu tio ser chamado à Casa do Pai. Os numerosos familiares e amigos na ocasião exaltaram o testemunho humano e cristão da sua vida de mais de noventa anos. Entre as várias facetas desse testemunho, veio em particular evidência este seu amor à esposa, sem reservas e até ao fim.

O autor daquele vídeo, agora seu neto por afinidade, declarou a propósito que nem sempre compreendeu o alcance da fé cristã do meu tio e do seu relacionamento com Deus (que era, na verdade, o alicerce de toda a sua existência), mas que no seu testemunho de amor à esposa via um luminoso exemplo e um modelo para a família que agora tinha constituído e estava a dar os seus primeiros passos.

São testemunhos destes, mais do que simples ideias ou conselhos, que podem guiar as novas gerações. Penso várias vezes, com algum receio (tenho que confessar), em como será a desorientação deste mundo sem a presença da geração dos meus pais. Oxalá a geração dos meus filhos possa conhecer e colher o testemunho de pessoas como o meu tio Luís Godinho Gonçalves.