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Pedro Vaz Patto
Canábis livre ou livres de canábis?

São cada vez mais os Estados que legalizaram o consumo da canábis. O Canadá foi o primeiro dos países do G7 a fazê-lo e por todo o mundo circularam as imagens de quem festejou essa decisão com bandeiras onde a folha dessa planta substituía a folha de ácer da bandeira nacional. Por ocasião das últimas eleições de midterm, um referendo no Estado do Michigan, e apesar da clara oposição de várias forças da sociedade civil (entre elas a Igreja Católica), fez com que este se juntasse aos outros nove Estados norte-americanos (onde se inclui a rica e populosa Califórnia) onde já vigora tal regime. A legalização do consumo da canábis para fins terapêuticos (que vigora num número maior de Estados) têm-se revelado como uma etapa prévia da legalização do consumo para fins recreativos e estudos vários revelam que a legalização do consumo para fins terapêuticos (cuja justificação também não deixa de ser controversa) faz incrementar, na prática, o consumo para fins recreativos (vejam-se o livro de Ed. Gogek Marijuana debunked, Chiron Publications, e um estudo de Junho de 2017, da Jama Psichiatry). Não é de admirar que esta vaga também venha a atingir Portugal (onde já foi aprovada a legalização do consumo da canábis para fins terapêuticos).         

Os defensores da legalização do consumo da canábis invocam um princípio geral de respeito pela autonomia individual e o propósito de contrariar e eliminar o mercado clandestino, dominado por associações criminosas. Os níveis de consumo não aumentariam, seriam apenas transferidos do mercado clandestino para um mercado legal e controlado.

No entanto, a experiência, já de alguns anos, dos Estados norte-americanos que legalizaram o consumo da canábis para fins recreativos, como o Colorado, demonstra claramente que esse propósito não foi atingido. Uma experiência que foi invocada (sem êxito, porém) pelos que agora se opuseram à proposta em discussão no Michigan (veja-se o sítio www.healthyandproducitvemi.org). Na verdade, neste período aumentou enormemente o consumo dessa substância, aumentaram as hospitalizações devidas a doenças mentais desencadeadas por esse consumo, e também a criminalidade e os acidentes com ele relacionados. O mercado clandestino não desapareceu, desde logo porque proporciona preços mais baixos, livres de impostos. Também cresceu o consumo (ilegal) por parte de crianças e adolescentes.

Mais do que a fenómenos localizados, assistimos a uma verdadeira corrida a oportunidades de negócio que atraem grande empresas. Estas mobilizam-se em ações de lobbying a favor da legalização e captam investidores na perspetiva de astonómicos ganhos futuros. No Canadá são mais de uma centena as empresas deste ramo cotadas na bolsa e as cinco maiores viram a sua cotação multiplicada por dez. Na Califórnia as starups deste ramo viram duplicar o seu volume de negócios no último ano. Na expressão do jornalista italiano Pietro Saccó (em Avvenire de 14 de outubro de 2018), este é «o investimento predileto da finança menos escrupulosa». Não sei se políticos que se afirmam “progressistas” pensam nestas consequências da legalização do consumo de canábis quando a propõem…

Porque nenhuma pessoa é uma ilha isolada, o consumo de qualquer droga não deixa de ter repercussões sociais. Não tem sentido invocar a liberdade pessoal quando esta liberdade acaba por ser a principal vítima da dependência que qualquer droga provoca. Legalizar o consumo de droga envolve sempre uma mensagem de permissividade que contraria qualquer esforço pedagógico de limitação o seu consumo e que também explica a continuação ou aumento do consumo clandestino. E não se compreende que as limitações do consumo de droga e álcool, em que políticas de saúde pública se têm empenhado tanto nos últimos anos, sejam agora frontalmente contrariadas por políticas de legalização do consumo da canábis.