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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Santidade ou felicidade?

Para muitos o dilema ainda existe: optar pela santidade, abdicando da felicidade terrena ou, pelo contrário, apostar na realização terrena, pondo de lado a aspiração espiritual à perfeição da caridade.

 

É verdade que esta aparente oposição entre a felicidade natural e a santidade cristã é muito frequente entre agnósticos e ateus, que têm da bem-aventurança uma visão eminentemente negativa. Mas também é certo que uma certa hagiografia, mais espiritualista, favoreceu esta aparente oposição. Com efeito, quando as biografias dos santos sublinham sobretudo o que neles é mais seráfico do que humano, mais transcendente do que terreno, mais sobrenatural do que natural, o bem-aventurado aparece quase como um extraterrestre, de tão diferente, senão mesmo contrário, ao comum dos mortais.

 

Em boa hora o Papa Francisco presenteou a Igreja com a exortação apostólica Gaudete et exsultate, sobre a chamada à santidade no mundo actual. Como esclarece, logo nas primeiras palavras, este seu texto não pretende ser um tratado teológico, mas uma reflexão eminentemente pastoral da excelência a que cada ser humano e, principalmente, cada cristão, está chamado, em virtude não apenas do seu baptismo, mas também da sua condição de criatura feita à imagem e semelhança de Deus.

 

Ao contrário do que alguns pensam, Deus não é estranho ao homem, mas a sua razão de ser mais profunda e também o seu principal fim. Como dizia Santo Agostinho, nas suas Confissões, a criatura humana sabe que tem em Deus a sua origem e o seu último fim: “Fizeste-nos, Senhor, para Vós, e o nosso coração está inquieto enquanto não descansar em Vós!”. Portanto, não é possível que o ser humano se realize plenamente à margem de Deus: só Ele pode preencher por completo as nossas ânsias de conhecimento e de felicidade.

 

Mesmo que só a visão beatífica possa realizar totalmente a sede de sabedoria e de amor que é própria do ser humano e que nenhuma realidade terrena, nem nenhum outro ser, pode satisfazer por completo, não se pense que, enquanto terrenos, os homens e mulheres são sujeitos alienados, ou adiados, porque a sua realização plena só poderá acontecer na eternidade. Na verdade, também aqui na terra se pode percorrer um caminho de muita felicidade, simultaneamente espiritual e humana, que é, precisamente, a santidade. A santidade, afinal, não é outra coisa senão o nome cristão da felicidade.

 

O episódio do homem rico (Mc 10, 17-22) é um exemplo paradigmático de como santidade e felicidade são, para um cristão, palavras sinónimas. Instado por Cristo a deixar tudo e segui-Lo, como os apóstolos fizeram, aquele homem, não obstante as suas aparentes boas disposições e a sua exemplar observância dos mandamentos da Lei de Deus desde a sua mocidade (Mc 10, 20), recusou o convite para uma vida de mais perfeição. Mas, apesar de não ter dado nada e ter ficado com tudo o que era seu, “ficou de semblante anuviado e retirou-se pesaroso” (Mc 10, 22), vítima da sua avareza. A sua falta de correspondência a Deus, e ao apelo da graça, não teve apenas efeitos na sua vida espiritual, mas também na sua existência humana, como o evangelista sublinhou pela forma pleonástica como adjectiva a sua retirada: “de semblante anuviado” e “pesaroso”.

 

Talvez alguém pense que o insucesso da diligência se ficou a dever a alguma falta de jeito de Nosso Senhor que, pesar de saber que o homem era judeu e “tinha muitos bens”, pediu-lhe tudo de uma só vez! Quem sabe se, em doze suaves prestações, o jovem não lograva desprender-se da sua muita riqueza e, depois, já desprendido das riquezas terrenas, até se dispunha a seguir o Mestre … Mas, na realidade, não foi Jesus Cristo que falhou na abordagem, mas o próprio que fracassou no exercício da sua liberdade: o ser humano não é feliz, nem se realiza verdadeiramente, quando faz o que quer, mas quando faz a vontade divina. Deus quer-nos santos porque nos quer felizes!

 

É, portanto, razoável que os pais e educadores se entristeçam quando os seus filhos ou alunos seguem caminhos que não são de Deus. Não apenas porque comprometem a sua salvação – não lembrou Jesus ao rico que, para alcançar a vida eterna, é necessário cumprir a lei de Deus?! – mas também porque, quem rejeita a santidade, recusa também, nesta vida, a felicidade.

 

O nome teológico da Mãe de Jesus é o que lhe é dado pelo Anjo, na Anunciação: Cheia de graça! (Lc 1, 28). Certamente, esta designação diz respeito à sua condição de imaculada, mas também pode ser entendida num contexto mais humano, porque a plenitude de graça de Maria não era só transcendente e espiritual, mas também terrena e muito humana. Portanto, em verdade se pode afirmar, com toda a veneração, que Maria, por ser sobrenaturalmente cheia de graça, é humanamente engraçadíssima!