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P. Gonçalo Portocarrero de Almada
A inveja da Madre Teresa

No passado dia 4 de Setembro, em Roma, o Papa Francisco canonizou a Madre Teresa de Calcutá. Vem por isso muito a propósito recordar um encontro da fundadora das missionárias da Caridade com São João Paulo II e o Beato Álvaro del Portillo, primeiro prelado do Opus Dei, beatificado em Madrid, no dia 27 de Setembro de 2014.

Os três encontraram-se em Roma, a 1 de Junho de 1985. Nesse dia, o Papa João Paulo II recitou o terço aos microfones da Rádio Vaticano. Assistiram ao acto, entre outros, a Madre Teresa de Calcutá e D. Álvaro del Portillo que, naquela ocasião, se fazia acompanhar pelo vigário-geral da prelatura, Mons. Xavier Echevarria, actual prelado do Opus Dei. Naquele histórico encontro entre aqueles três santos – o penúltimo Papa, a religiosa prémio Nobel da Paz e o anterior prelado do Opus Dei – teve lugar um curioso diálogo. São João Paulo II, com a descontração e o bom humor que lhe eram tão próprios, dirigiu-se à benemérita religiosa albanesa nestes termos provocantes:

- Madre Teresa, explique-me por que razão a imprensa fala sempre tão bem de si, mas mal do Opus Dei e de mim?!

É provável que a santa fundadora das missionárias da Caridade tenha ficado algo corada com aquela observação, que a situava, a nível mediático, acima do próprio Papa. De facto, a imprensa mundial, por regra, referia-se sempre muito positivamente à Madre Teresa e à instituição por ela fundada, mas era, em geral, crítica em relação ao Papa João Paulo II e ao seu pontificado, bem como ao Opus Dei e ao seu apostolado. Esta instituição católica viria a ser, pouco depois, objecto de uma infamante novela, O Código Da Vinci, um best-seller mundial que foi também argumento de uma homónima produção cinematográfica. Nessa obra de Dan Brown, não só se ofende essa entidade eclesial fundada por São Joseamaria Escrivá, como também se atacam os fundamentos da religião cristã, contradizendo os Evangelhos e a doutrina católica sobre a pessoa e missão de Jesus Cristo e da sua Igreja.

Ante aquele aparente êxito, a que São João Paulo II aludira, qualquer um se teria sentido, naturalmente, muito agradado. A Madre Teresa não entendeu aquelas palavras como um elogio à sua pessoa e obra, mas quase como se de um defeito se tratasse ou, pelo menos, de uma graça de que ela e as suas missionárias careciam. Com efeito, nas obras de Deus, o êxito não se mede pela glória humana, nem pelo reconhecimento social. Pelo contrário, deve-se calibrar pelo paradoxal critério enunciado no programático sermão da montanha: “Bem-aventurados sereis, quando vos insultarem, vos perseguirem, e disserem falsamente toda a espécie de mal contra vós por causa de mim. Alegrai-vos e exultai, porque será grande a vossa recompensa nos Céus, pois também assim perseguiram os profetas que vieram antes de vós” (Mt 5, 11-12).

Talvez não seja excessivo supor que S. Teresa de Calcutá se tenha deixado levar, naquele instante, por um sentimento de inveja, que terá sido, se esse foi o caso, uma santa inveja. De facto, o seu comentário deu a entender que temia que aquela glória humana que, na realidade, mais não era do que vanglória, pudesse ser uma perigosa tentação, para ela e para a sua congregação religiosa. Por isso, sentiu a necessidade de pedir orações:

- Rezem por mim, para que seja humilde!

São João Paulo II e o beato Álvaro devem tê-lo feito, porque a fundadora das missionárias da Caridade morreu humilde e santamente, como aliás sempre vivera. Por isso o Papa Francisco, depois de comprovada cientificamente uma cura milagrosa atribuída à intercessão da Madre Teresa de Calcutá, pôde proceder à sua solene canonização, diante de uma numerosa assembleia de fiéis de todo o mundo.

Quanto à sua obra, não há que preocupar-se porque, a julgar por algumas calúnias em artigos agora publicados, por ocasião da canonização da santa fundadora, já não carece da última e mais excelente bem-aventurança.