Entrevistas |
Helena Presas, da Pastoral da Saúde da paróquia do Campo Grande
“Uma pessoa sem pertença, sem sentido e sem fé, definha”
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Ligada à criação da Pastoral da Saúde na paróquia do Campo Grande, Helena Presas testemunha como foi possível implementar esta pastoral “em todos os grupos paroquiais” e levar aos doentes o sentido de pertença à comunidade cristã. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, esta leiga reclama por uma maior presença da Pastoral da Saúde nas paróquias e alerta para o facto de a eutanásia começar “muito antes de ser pedida”. “O sentido para a vida é dado pelas famílias”, aponta.

 

A partir da sua experiência na paróquia do Campo Grande, como é que a Pastoral da Saúde foi sendo organizada e qual o caminho percorrido?

Há cerca de 20 anos, quando estava ligada à catequese, o padre Vítor Feytor Pinto [antigo pároco do Campo Grande] pediu-me para criar os grupos de Pastoral da Saúde. Não se pode dizer que não houvesse uma pastoral orientada para os doentes, pois tínhamos os Vicentinos, a Legião de Maria, o Apostolado de Oração e os Ministros da Comunhão que visitavam os doentes, e tínhamos também o padre António que fazia muita questão de visitar e acompanhar as pessoas doentes. No entanto, o padre Vítor trouxe uma grande mudança, porque começou a falar da Pastoral da Saúde e não da Pastoral da Doença. Ele começou a sentir uma necessidade de se fazer qualquer coisa de forma mais organizada. Achou que tinha de atualizar a metodologia para que as pessoas todas se envolvessem numa certa Pastoral da Saúde. A primeira tarefa que tivemos foi a constituição de voluntários que distinguissem, ainda naquela época, o que era a visita e o que era a visita pastoral. Tínhamos um centro social que estava a iniciar a sua constituição como IPSS e com técnicos que não eram necessariamente católicos e, mesmo católicos, não tinham necessariamente uma vida pastoral, portanto não conseguiam ser sensíveis a essa realidade. Constituímos então grupos de voluntários para visitar as pessoas em casa. Procurei orientar a Pastoral da Saúde e dediquei-me mais aos idosos, uma área para a qual sou mais sensível. A parte da educação para os afetos era muito desenvolvida pelos grupos de jovens, através das missionárias Verbum Dei, e a parte da educação para os afetos na infância e no 1.º Ciclo era desenvolvida pela catequese. O padre Vítor pedia muito a todos os grupos que se focassem nesse desenvolvimento. A Pastoral da Saúde foi inserida em todos os grupos paroquiais e isso criou uma rede e não pôs os grupos uns contra os outros. O que constatei aqui, e noutros locais, é que os grupos pastorais existem, mas é cada um no seu cantinho. E com cada um no seu cantinho não se potencia a riqueza de cada um, não se oferece aos outros o conhecimento da diversidade de cada um e, se não se desenvolvem e acabam por se fechar, morrem.

 

Do ponto de vista mais prático, como foi possível organizar esta pastoral na paróquia?

A primeira coisa que o padre Vítor me pediu foi para organizar os Ministros da Comunhão, que, ao irem, com toda a generosidade, levar a comunhão a casa das pessoas doentes, faziam-no de uma maneira completamente ‘freelancer’. Eu perguntava ao padre Vítor se sabia quantas comunhões eram distribuídas em casa e ele não fazia a mais pequena ideia. Ao organizar estes agentes, convidei-os para uma reunião mensal e propus muita organização – o que irrita as pessoas, mas só até elas perceberem que isso lhes traz vantagens. É verdade que é uma maçada ter que dizer quantas vezes por semana vou dar a comunhão e ter que escrever isso no papel, mas quando, no fim, as pessoas percebem que são centenas de comunhões distribuídas durante seis meses, ficam espantadas e ficam muito contentes porque vêm o seu trabalho e a sua dedicação valorizada e reconhecida.

Conseguimos também implementar festas litúrgicas que faziam a ligação de pertença de quem está em casa à paróquia. Por exemplo, na Quaresma, passámos a fazer um ‘Caminho de Quaresma’, levando uns livrinhos com a temática adotada na paróquia e arranjávamos forma de articular a atividade desenvolvida para esse tempo litúrgico pelo Centro de Dia, com aquilo que se iria fazer em casa. As pessoas que estavam em casa viam que estavam integradas num caminho comum e, à medida que os grupos foram aderindo, os próprios grupos começaram a perceber que ganhavam com isso.

É preciso que a linguagem atual consiga, sem ter que andar a recuperar imagens do passado, levar a pertença a uma comunidade, levar a proximidade e levar a vivência pastoral às pessoas que, por qualquer razão de saúde, ficaram isoladas. E temos que ser muito criativos na forma como construímos as pertenças, porque a verdade é que uma pessoa sem pertença, sem sentido e sem fé, definha.

 

A pertença comunitária é então o maior benefício de ter uma Pastoral da Saúde organizada numa paróquia?

Penso que a pertença comunitária é um dos maiores benefícios, assim como a relação com a comunidade, porque a comunidade cristã é uma comunidade de relação. Por exemplo, nós levávamos os meninos da catequese a casa das pessoas e algumas delas nunca mais viram crianças na vida desde que ficaram fechadas em casa. O facto de as crianças levarem uma ou duas vezes por ano a alegria aos lares, a casa das pessoas ou a alguma casa de saúde, traz a realidade da esperança ao concreto da vida das pessoas. Relação, pertença, proximidade e – outra coisa que acho muito importante na Pastoral da Saúde – cidadania cristã ativa são importantes.

 

Costuma-se associar a Pastoral da Saúde apenas às capelanias hospitalares ou à visita aos doentes. Na sua opinião, o que falta para que mais paróquias possam dinamizar esta pastoral?

Falta método, faltam boas lideranças nas paróquias, porque não basta a pessoa querer, é preciso liderar, refazendo estruturas que não querem abrir-se, porque têm um esquema já muito viciado. É preciso gente mais nova de cabeça, que consiga desestabilizar para depois estruturar. Mas é necessário que os párocos estejam convencidos disso e que saibam que isto vai acontecer, saibam que para se reintegrar, para atualizar, é preciso dar novas diretrizes. Hoje, há estruturas sociais altamente organizadas – e não só na Igreja – que têm que dialogar umas com as outras. Se vamos com um ‘igrejês’ que ninguém consegue compreender, à segunda palavra já não nos conseguem ouvir…

Sobre os capelães, vejamos o seguinte exemplo: nós acompanhamos pessoas em apoio domiciliário, os nossos Ministros da Comunhão vão a casa dar a comunhão, o padre também as visita para a Unção dos Doentes... e num dia vão parar ao Hospital de Santa Maria, porque estão doentes. Tem algum sentido que seja um Ministro da Comunhão que nunca os viu a dar-lhes a comunhão? Não seria mais lógico que esse ministro que costuma ir a sua casa se entendesse com o capelão para ser ele a dar a comunhão em nome do capelão? Claro que a estrutura oficial do hospital é o capelão, mas a capelania não podia estar ligada, de tal maneira, às paróquias, para que essa pessoa possa ser visitada? Porque o Ministro da Comunhão que dá a comunhão a um doente, em casa, não deixa de o visitar no hospital... Acho, por isso, que as capelanias deviam ser muito integradas nas paróquias.

 

Num momento em que a pandemia também veio evidenciar a importância da valorização da saúde – desde os cuidados básicos, hospitalares, imediatos, até à saúde mental e aos cuidados paliativos –, qual o caminho que terá de ser percorrido pela sociedade para melhorar as condições de saúde de todos? A lei da eutanásia veio contrariar esse movimento?

Sou completamente contra a lei da eutanásia e acho que foi escolhido o pior momento. Até parece uma provocação desumana. Se as pessoas estivessem mais preocupadas em humanizar a saúde e em desenvolver aquilo que a Igreja anda a dizer – e a praticar – há muitos anos, como são os cuidados paliativos e os cuidados em casa, e se tivessem um bocadinho mais de atenção àquilo que a Dr.ª Isabel Galriça Neto tem dito incansavelmente, as pessoas eram todas mais felizes em casa. A eutanásia começa muito antes de ser pedida. Começa quando as pessoas deixam de ter sentido e o sentido para a vida não é dado só por uma pessoa, é dado pelas famílias. As famílias ligam muito à saúde dos idosos e não os deixam sair, porque existe o covid-19 e é perigoso, mas deixam-nos morrer de solidão, em casa. Os idosos podem perder completamente o sentido da vida estando em casa.

Aqui, no Centro Social Paroquial do Campo Grande, muitos desdobraram-se em telefonemas para as pessoas. Foram horas e horas ao telefone, a fazer estimulação cognitiva para manter a presença. Era um pretexto, porque o que as pessoas queriam era conversar e ouvir. Eu acho que a eutanásia é a maior covardia que uma sociedade, em nome da ciência, pode oferecer. Alguns escudam-se na liberdade individual... Em que nível está a liberdade individual quando uma pessoa está há dois anos fechada em casa e o medo tomou conta dela? Onde está a liberdade e a dignidade da pessoa humana para poder ter uma escolha digna? Quando falamos de uma última decisão, teríamos que olhar para trás e ver o que as pessoas fizeram com os seus idosos.

 

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Perfil

Helena Presas tem 64 anos e licenciou-se em Fisioterapia, no Brasil. Em Portugal, quis “juntar o céu à terra, o corpo ao espírito” e licenciou-se em Teologia. Na paróquia do Campo Grande, em Lisboa, foi tendo cargos de gestão e foi aperfeiçoando a formação com cursos nessa área. Atualmente, é diretora executiva do Centro Social Paroquial do Campo Grande.

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