Entrevistas |
Margarida Neto, presidente do Núcleo de Lisboa da Associação dos Médicos Católicos Portugueses
“Defenderemos a causa da humanidade do cuidar”
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Perante a provável discussão do tema da eutanásia na Assembleia da República, a presidente do Núcleo de Lisboa da Associação dos Médicos Católicos Portugueses reafirma o empenho da associação na defesa da vida, que passa também pelo “acompanhamento” de cada pessoa. Em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, Margarida Neto assinala ainda o crescimento de associados, sobretudo nas faculdades.

 

Está no cargo de presidente do Núcleo de Lisboa da Associação dos Médicos Católicos Portugueses desde 2016. Qual tem sido o principal desafio e que balanço faz deste tempo?

Temos crescido em número de sócios. Somos, hoje, 318 associados e com uma entrada muito grande e boa de estudantes de Medicina e de jovens médicos. A partir do ano passado, quando fizemos o encontro nacional sobre a conciliação ‘família-trabalho’ –um tema que interessou muito aos jovens médicos –, e porque os jovens médicos, nos núcleos católicos nas universidades, têm estado muito ativos, tem havido maior interesse por perceber o que é que uma associação de médicos católicos lhes pode dar, enquanto pertença. O que o Núcleo de Lisboa da Associação dos Médicos Católicos Portugueses pretende é fazer com que nos sintamos pertença de uma associação e companhia uns dos outros, em nome da fé e de como ser médico católico no hospital ou no centro de saúde. No fundo, como ser o ‘Cristo médico’, como ser ainda mais Cristo entre os médicos e no nosso trabalho de atendimento dos doentes.

 

Como é que associação tem estado presente junto desses núcleos de estudantes católicos?

Costumamos começar o ano com a intervenção dos núcleos de estudantes na associação. Ou seja, o primeiro tema é sempre apresentado pelos núcleos. Convidamos, normalmente, os presidentes dos núcleos da Faculdade de Medicina da Universidade de Lisboa e da Faculdade de Ciências Médicas da Universidade Nova para apresentarem um resumo de um documento do Papa. O primeiro foi sobre a Encíclica ‘Laudato Si’. No ano passado, foi a Exortação Apostólica ‘Gaudete et Exsultate’ e, no próximo ano, vão apresentar a Exortação sobre a juventude, ´Christus Vivit’. É um começo de ano mais juvenil, dinâmico e uma oportunidade de os estudantes verem que, se quiserem continuar durante o ano, às segundas terças-feiras de cada mês, encontram uns 20 a 30 médicos católicos que se reúnem à volta de um tema. No próximo ano pastoral, vamos trabalhar o discurso recente do Papa Francisco aos médicos católicos, por ocasião da celebração da Consagração ao Sagrado Coração de Jesus, tendo como tema ‘Cristo próximo’.

 

A cada dia, com os avanços médicos, os profissionais de saúde são confrontados com novas questões éticas, estando algumas até diretamente relacionadas com a defesa da vida. Faz sentido motivar mais este debate na opinião pública, incluindo os doentes e as suas famílias?

Sim. Os médicos católicos estão envolvidos neste assunto desde sempre. Tivemos uma responsabilidade imensa na questão do aborto e quase todos os médicos que apareceram no debate faziam parte dos médicos católicos. Na história da Associação dos Médicos Católicos Portugueses, que tem mais de 100 anos [completados em 2015], tivemos algumas figuras predominantes na história da associação: Daniel Serrão, Walter Osswald, Jorge Biscaia e tantos outros que são os nossos irmãos mais velhos na associação e que marcaram profundamente o debate público. Todos tiveram cargos europeus e nacionais. Acho que, através destas figuras grandes da associação, houve uma grande participação na sociedade. Talvez isso esteja um pouco mais esbatido, mas nós estamos sempre em palestras, estamos sempre a ir a paróquias, a grupos de estudantes, movimentos...

 

E também estiveram presentes, com um papel relevante, no ano passado, por exemplo, na declaração inter-religiosa contra a eutanásia...

Uma das coisas em que a associação participou, com muito empenho, foi na organização da declaração inter-religiosa, sobre a eutanásia, apresentada no ano passado. Conseguimos – e esse é um outro caminho a seguir – ir em conjunto para os grandes debates da sociedade. Entregámos a declaração ao Presidente da República e essa ação teve grande impacto. Esse é um marco do ano passado e da atividade dos médicos católicos na saúde e na sociedade. A questão da defesa da vida é também uma questão religiosa, mas não só. É uma questão deontológica-médica, e é uma questão global, social e cultural. Portanto, irmos com as outras religiões, com outras expressões e estarmos presentes nos grandes debates da sociedade – que no próximo ano será, de novo, sobre a questão da eutanásia e da ideologia de género –, é muito importante e absolutamente essencial. Mas também queremos estar presentes em todos os outros debates, como por exemplo os do Serviço Nacional de Saúde, na questão da situação da saúde, da perda da humanidade, da falta de tempo com o doente... Tudo isso são temas que nos interessam. O valor da vida também se defende defendendo a humanidade do cuidar. É por isso que o discurso do Papa aos médicos do mundo inteiro [discurso por ocasião da celebração da consagração ao Sagrado Coração de Jesus, no dia 22 de junho de 2019] inclui a questão da proximidade, a arte do cuidar, a importância do contacto humano... Isto também é defender a vida, defender a boa prática médica, a arte do cuidar, a competência técnica e humana. Esta é uma missão dos médicos católicos e de todos os médicos.

 

O recente caso do francês Vincent Lambert – que faleceu este mês, depois de ter deixado de receber nutrição e hidratação –, pode ser um alerta para os desafios que se aproximam em Portugal?

Esse caso e todos os outros. Este é um caso de contornos médicos imprecisos. A partir da comunicação social, uns dizem que estava em morte cerebral. Os dados clínicos sobre ele não são claros. Uns dizem que estava em estado vegetativo, outros dizem que estava em estado de consciência diminuído. Agora, entendendo que o senhor não estava numa fase terminal da vida, não estava em morte cerebral, tinha um estado de consciência mínima, não estava ligado a nenhuma máquina, e mesmo estando numa situação de profundíssima incapacidade física e cognitiva, isso não chega para se fazer o que foi feito, que foi matar um doente. Pelo que percebi, o doente não estava em situação terminal, estava com alguma – apesar de tudo – capacidade de reatividade e, portanto, não foi legítimo terminar a hidratação e a alimentação. É um sinal tremendo de uma situação em que se termina voluntariamente a vida de um doente, de uma forma atroz. Entre a decisão do tribunal e a morte, passaram nove dias. Estivemos nove dias a assistir à morte lenta de um doente. Acho isto um sinal terrível do que há de vir aí...

 

Foi coordenadora nacional dos Assuntos da Família, entre 2003 e 2005, e esteve associada à Comissão para a Natalidade da anterior governação do PSD. Como se pode inverter o índice de natalidade em Portugal, que é dos mais baixos da Europa e do mundo?

É uma grande pergunta. O assunto está muito estudado, os diferentes países da Europa fizeram coisas diferentes, não há uma ‘receita’ única. A França aumentou um pouco os seus nascimentos investindo nos equipamentos da guarda de crianças e em dinheiro para a pessoa poder escolher ficar com a criança em casa ou no jardim de infância. Os países nórdicos têm uma política de igualdade entre pai e mãe... Esta é mais uma questão de mentalidade e cultura do que de dinheiro. Vou-lhe dar um exemplo: a Alemanha é um país rico e é um dos países com a natalidade mais baixa. O dinheiro é importante porque as famílias precisam de ter dinheiro disponível para ter tempo para cuidar dos filhos, mas fomos caminhando, a partir de 1980, no sentido de termos famílias cada vez mais pequenas. E isto é muito marcado, culturalmente, pela dificuldade em ter um filho. Os portugueses trabalham muitas horas e, muitas vezes, longe de casa. O tempo despendido entre viagens é enorme e, por isso, junto com os salários mais baixos, a dificuldade de ter filhos é grande. Depois, somos um povo que se tornou pessimista e um povo pessimista não tem desejo de ter filhos, porque não acredita no seu futuro.

 

Esta é uma situação que pode comprometer seriamente o nosso futuro?

Os portugueses ainda não se consciencializaram de que não ter filhos é uma situação dificílima para o futuro do país, que vê diminuir a sua população. Esta ‘normalidade’ de ter dois ou três filhos corresponde ao desejo das famílias, mas depois ‘encostam-se’, têm um filho, muito dificilmente têm o segundo e depois não têm mais. Isto acontece muito a par de uma crescente presença da escolha por não haver filhos. Difunde-se uma mentalidade e uma cultura de felicidade sem filhos, substituída, muitas vezes, pela presença de animais em casa – há mais animais domésticos do que crianças! – a quem se dá nomes de crianças. Há aqui qualquer coisa de profundamente infeliz neste propósito.

 

É psiquiatra, na Casa de Saúde do Telhal, há 26 anos. Esta é uma das periferias que o Papa Francisco aponta? Qual continua a ser o seu maior desafio, nesta casa da Ordem Hospitaleira de São João de Deus?

Sim, sem dúvida. A saúde mental e uma casa como esta representam três periferias: a social – precisamente aquela que o Papa nos lembra; a própria medicina – os doentes mentais complexos que aqui vêm ter representam aqueles que mais ninguém quer, que as famílias, as culturas e a comunidade não querem e que a medicina também não quer (nós temos aqui cerca de 500 doentes que vêm dos hospitais porque não há outras respostas); e a outra periferia é a estrutura da saúde, na forma como somos tratados. O acordo que nos rege não é revisto desde 1983 e, por isso, o valor diário, por doente, recebido aqui é miserável em relação com o que o sistema público paga dentro dos seus próprios hospitais psiquiátricos. Mas nós não nos revemos nessa periferia porque não era assim que São João de Deus via um doente. Esta é uma instituição católica, da Igreja, e quando chega um doente, quando o recebemos, começa uma nova vida para ele. Tenho a certeza! É isso que me atrai mais nesta profissão. Chegar aqui, é devolver ao doente um olhar nosso. Olhamos para o doente com mais esperança e ainda nos questionamos: ‘O que é que tu ainda és capaz de ser e de fazer?’.

 

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Eutanásia: “A campanha eleitoral tem que ser clara”


Margarida Neto defende o questionamento dos candidatos às próximas eleições legislativas sobre as suas posições acerca da eutanásia.

 

De que forma a campanha eleitoral que se avizinha pode ajudar a clarificar assuntos tão determinantes como a eutanásia?

Acho que esta campanha eleitoral tem que ser clara, têm que ser transparentes com os portugueses. Cada partido político deverá dizer qual é a sua opinião sobre uma lei da eutanásia e sobre se vai indicar a disciplina de voto ou permitir que cada deputado se guie pela liberdade de voto. Aí, os cidadãos, na campanha eleitoral, terão a obrigação de perguntar ao deputado do seu círculo eleitoral sobre o que pensa em relação à eutanásia. Os portugueses preocupados com esta questão terão de ser cidadãos ativos no questionamento dos seus deputados que se apresentam a eleições. Eu tenciono fazer isso pessoalmente.

 

Quando a questão for novamente levantada, na próxima legislatura, qual será a participação dos Médicos Católicos Portugueses?

Quando for levantada – e será certamente – a sociedade portuguesa será, de novo, envolvida na questão e nós participaremos, como participámos na última, ativamente. Obviamente, também defendendo a importância dos cuidados paliativos que, desde a última votação até hoje, não teve nenhum avanço. Nada foi feito! Nós defenderemos a causa da humanidade do cuidar, que significa acompanhar até à morte e a defesa da dignidade de cada pessoa. E essa dignidade não é matar a pessoa.

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