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Isilda Pegado
“Será que ainda serei livre de pensar?”
1 – A questão da Liberdade do homem percorre toda a nossa história pessoal e colectiva. Nenhum outro Ser no Universo goza do direito à Liberdade. A Liberdade implica o uso da razão e a capacidade de, perante as circunstâncias, decidir.

A Liberdade parte sempre da Realidade oferecida, das circunstâncias concretas que temos em cada momento. Não há Liberdade construída a partir de ilusões ou falsas realidades. Essas são amarras, que nos aprisionam e destroem.

2 – C. S. Lewis no seu livro “A viagem” (Logos Edições, pág. 56) a certa altura pergunta, com algum humor, “Será que ainda sou livre para pensar?”, a que responde – sim, “livre como um homem é livre para beber, enquanto estiver a beber, embora não seja livre para ficar sóbrio”.

Esta imagem da relação do homem com a Liberdade e com as circunstâncias que o rodeia é de uma utilidade enorme. Na verdade, muitas vezes concebemos uma determinada actividade como a expressão do querer individual, mas esquecemos as consequências. Será que ao decidir o acto, decido também as consequências desse acto? Quando bebo um copo apenas decido nesse acto, porque a natureza encarrega-se de decidir o grau de alcoolémia que o meu corpo vai reter. Não posso dizer bebo 5 copos de whisky e renuncio à alcoolémia consequente. Há uma condição (da bebida e do meu corpo) que não está sujeita à minha liberdade.

3 – O exemplo, como disse, é simples mas capaz de nos apresentar a vertigem em que tantas vezes entramos ao separar as duas faces de uma mesma moeda.

Hoje, que tanto se fala no livre arbítrio, como expressão máxima da “Liberdade” especialmente nos comportamentos eticamente questionáveis – aborto, manipulação genética, uso de embriões para fins experimentais, mudança de sexo, barrigas de aluguer, eutanásia, etc. – há que pensar nestas duas faces da mesma moeda.

4 – Há uma condição, um sistema, uma “ecologia” que é dada a cada homem como se este fosse o senhor pleno do Universo (o seu universo) e, é dentro, e com este Universo que cada um constrói a sua liberdade. Em cada acto que pratica o homem está sempre confrontado com a realidade que lhe é dada. Negá-lo é uma ilusão.

5 – Tal circunstância – as circunstâncias dadas – não pode ser entendida como um menos, mas é sempre um mais. Porque no vazio não há Liberdade.

O copo de whisky se não tivesse o álcool que me pode embriagar, não teria a sua especificidade – a destilação. Também assim, a condição humana, os limites da natureza humana, identificam o próprio Homem. O Homem faz-se desta condição. A Vida Humana é totalmente dada.

É por isso que a maior tentação é a de modificar a condição humana. É a tentação que diariamente “nos é vendida” no mundo – cada um de nós ser um deus que a seu belo prazer se define a si próprio.

6 – “Será que ainda serei livre para pensar?” – A pergunta é feita neste sentido de ir mais além do que a escolha de um acto ou gesto, porque implica o olhar também para as consequências dos actos, toca por isso no verdadeiramente Humano. Escravidão ou Liberdade?