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Entrevista ao reitor do Seminário dos Olivais, padre José Miguel Pereira
“Não há um modelo único de ser padre”
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Atualmente ninguém vai para padre para “garantir um futuro”, mas enfrentam-se outras dificuldades. Para o reitor do Seminário dos Olivais, padre José Miguel Pereira, é, sobretudo, a “crise de fé” que faz com que haja menos sacerdotes, assim como há menos casamentos. Em entrevista à Renascença, por ocasião das ordenações presbiterais em Lisboa, o sacerdote diz que não há uma “modelo único” para ser padre e deixa uma mensagem aos novos sacerdotes, que foram ordenados no passado Domingo, 26 de junho.

 

No Seminário dos Olivais são acompanhados os seminaristas do 3º ao 6º ano de Teologia. Quantos alunos tem neste momento?

São 45, mas de nove dioceses: Lisboa, Santarém e Funchal, que são as que já estão há mais tempo, e depois Portalegre e Castelo Branco, Leiria-Fátima e Aveiro. Alguns seminaristas são das duas dioceses de Cabo Verde, Santiago e Mindelo. Temos também um acordo com a diocese de Cochim, na índia, e no próximo ano chegará o primeiro seminarista da diocese de São Tomé e Príncipe, que já está no Seminário de Caparide, onde decorrem os primeiros anos de formação (um ano propedêutico e o 1.º e 2.º anos do mestrado integrado em Teologia).

 

Fala-se muito de crise de vocações, qual é a sua opinião sobre isto? Dramatiza-se às vezes demais?

Penso que sim. Penso que a crise das vocações sacerdotais tem a ver com a crise da fé, e portanto não é mais nem menos do que a crise das outras vocações, sejam as matrimoniais ou as laicais, conscientes e comprometidas. Tem a ver com uma ausência do sentido vocacional da existência. Nesse sentido creio que há um trabalho por fazer, não que a Igreja tenha descoberto isto há pouco tempo, mas falta implementar nas famílias e nas comunidades.

 

Mas, podemos dizer que hoje a descoberta da vocação sacerdotal é feita de uma forma mais consciente, mais madura? Ou seja, quem vai hoje para padre quer mesmo ser padre?

Vai para isso. Não vai para estudar, para garantir um futuro.

 

Como acontecia há umas dezenas de anos, em que as crianças eram encaminhadas para o seminário nem sempre por uma opção amadurecida, porque eram muito pequenos.

Sim, isso não existe hoje. Mas, quando estava no Seminário Menor, todos os anos eu recebia telefonemas de mães que queriam lá pôr os filhos porque tinham problemas escolares, desadaptação nas turmas, chumbos repetidos, e ali havia disciplina.

Isto de vez em quando ainda existe, mas nesses casos há um acompanhamento no sentido de não os acolher por essas razões.

Também é verdade que no Seminário Maior muitas vezes nos batem à porta pessoas sem uma vida de fé comunitária, às vezes até sem relação com a Igreja e com os sacramentos, mas que estão desiludidos com o tipo de vida que levam, seja relacional, afectiva ou profissional. Claro que, também aí, o caminho é dizer que essas não são razões suficientes para se entrar no Seminário. Ou seja, há quem bata à porta um bocadinho iludido, e aí há um caminho prévio que é preciso fazer.

Depois também há gente que quer ser padre por uma experiência parcelar que viveu, que foi forte, mas não tem ainda consistência, e é preciso ajudá-los a fazer caminho. Por isso é que a Igreja tem vindo a multiplicar a experiência do tempo propedêutico. Começou por ser um ano, fala-se agora em alargar esse tempo, consoante os casos assim o exijam. Que seja um tempo de refundação das motivações vocacionais, de solidificação da dimensão da fé, alargamento da dimensão comunitária, até um conhecimento um bocadinho maior daquilo que é a Igreja. Tudo isto pode fazer com que muitas vezes as pessoas que vieram para o Seminário muito seguras de que era para serem padres, depois entrem em revisão e em crise. Muitas vezes isso acontece ainda na fase de Caparide, antes de chegarem aos Olivais.

Não há uma única forma, fechada, modelo, de ser padre. Mas, um padre ao serviço de uma diocese tem alguns dinamismos, na linha da frase de São Paulo “fiz-me tudo para todos, a fim de salvar alguns”, e portanto este aprender a ser tudo para todos, alargar-se aos dinamismos de um serviço a uma comunidade plural, muitas vezes leva alguns a repensarem se as razões que os trouxeram ao Seminário estavam suficientemente centradas ou orientadas para aquilo que se espera hoje de um padre secular, ao serviço de uma diocese.

 

Para finalizarmos, quer deixar alguma mensagem a estes novo sacerdotes da Diocese de Lisboa ordenados este Domingo?

Posso partilhar aquilo que muitas vezes lhes digo: que quando chegarem a uma comunidade cristã, na primeira missão que o Patriarca lhes vai dar, que não se esqueçam que não se põe à porta da igreja “abre com nova gerência”. A Igreja é um povo que caminha muito antes de nós, vai continuar a caminhar muito depois de nós passarmos, e a nós é-nos dada a graça de servirmos neste momento, com as nossas qualidades e defeitos, com a nossa criatividade, mas numa torrente enorme que é guiada por Deus, e é Ele que garante. Digo-lhes muito a eles isto, que queiram muito aprender com o povo de Deus, aprender com os padres mais velhos, dar o seu contributo, mas fazer caminho em conjunto, na tal perspectiva da sinodalidade, que a diocese de Lisboa tem vindo a acentuar com a caminhada sinodal, e a próxima assembleia sinodal é no Outono.

Que eles queiram muito fazer este caminho em Igreja, na certeza de que é Deus quem garante e quem sustenta, nas alegrias e também nas dificuldades e nas tensões, que também sempre podem existir. 

 

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A entrevista completa ao padre José Miguel Pereira foi transmitida no programa ‘Princípio e Fim’, da Rádio Renascença, do passado Domingo, 26 de junho, e está disponível em http://goo.gl/E87EdM.

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