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António Bagão Félix
As cores em Cristo Ressuscitado

Hoje acordei (ou sonhei?) a pensar em cores. E em Deus, a quem orei antes de adormecer. Não porque eu veja o mundo a cores, mas talvez porque procuro a infinitude das cores na fé no meu coração. Porque a cor é de Deus e em Deus.

Na minha infância, habituei-me a admirar as chamadas cores principais, o vermelho, o azul, o verde e o amarelo, a que juntávamos a sua negação, o preto, e a sua união, o branco. Numa segunda fase de aprendizagem, lá íamos descobrindo algumas cores ditas secundárias, como o cor-de-laranja (e não apenas laranja, naqueles tempos aplicado tão só à fruta), o cor-de-rosa, o roxo, às vezes tratado de violeta, e com estreia marcada para a procissão da Paixão do Senhor, o castanho e o cinzento, sempre antipáticos aos olhos da nossa meninice, o lilás, que quase sempre confundíamos com o roxo, e aquela cor difusa a que chamávamos bege, galicismo que não entendíamos e muito menos escrevíamos. Na minha meninice, o azul mais aconchegante era o celeste e – recordo-me – associava o amarelo ao purgatório.

Hoje, há mais cores, ainda que, paradoxalmente, às vezes a preto-e-branco. Cores que se reabilitaram na paisagem urbana como o ocre, ou que ressurgiram no saudosismo fotográfico como o sépia. Cores que dão aquele toque quanto baste de erudição colorida, seja o azul ferrete ou o azul-marinho, que sanearam sem dó nem piedade o azul eléctrico, o verde seco que matou o alface, o índigo, palavrão bem mais enigmático e oriental para significar o que antes era o anil, o magenta que ainda não tem lugar no novo dicionário da língua portuguesa, o bordô – este sim, já assim adaptado ao português – e trazido do grená, o brique, antes modestamente cor de tijolo, o cinza simplesmente cinzento, o creme mesmo que sem ser misturado com leite, e até essa cor quase sem cor que é a cor de champanhe ou esse oximoro colorido que é o branco sujo. Há ainda o azul ultramarino, logo agora que não temos ultramar, o rosa-velho para rejuvenescer quem o usa, ou o salmão com ou sem tonalidade de damasco.

As cores também se usam como sinal exterior de um sentimento, atitude, ou outra coisa qualquer. Por isso, as há frias e quentes. Agressivas e suaves. Fortes e pálidas. Presentes e fugidias. Há o preto cada vez menos do luto e cada vez mais do chique, o branco da pureza apesar da mistura de cores que lhe está na origem, o verde da esperança, o vermelho da proibição, o amarelo de certos falsos sorrisos, o azul simplesmente pálido.

Também a vida é uma sucessão de cores, começando no azul do menino ou rosa da menina, agora criticados quase patologicamente pela chamada ideologia de género, passando pelos verdes anos do jovem e os anos dourados do sucesso profissional, soçobrando à idade prateada e terminando no amarelo da velhice.

A vida, por vezes sem cor, está sempre com ela confrontada. É o correio azul para pagar mais pelo que antes era a normalidade. É o recibo verde que, mesmo assim, não dispensa impostos. É o voto em branco para os desiludidos da política. É o livro amarelo no qual podemos registar as nossas queixas. É o vermelho e o verde dos semáforos, e o seu “mais ou menos” que é o amarelo. São os cartões amarelo e vermelho do futebol. É a ameaça de uma qualquer arma branca. É o mistério de proveito indevido que dá pelo nome de saco azul. É a angustiante busca da caixa preta (ainda que laranja) de uma aeronave.

O que mais nos prende à cor é a fantasia. O caleidoscópio representa, na nossa vida, essa fantasia e, por isso, crianças ou adultos, nos sentimos cativados por esse tubo onde as formas se transformam em cores e as cores dão expressão às formas.

A mesma cor pode ser uma outra cor no registo do que nos acontece. A cor varia com a intensidade da luz de que se alimenta, como o espírito varia com a intensidade da cor que nos acalenta. A cor que hoje nos agride, amanhã nos compraz. A que ontem nos deixou indiferente, hoje nos atrai.

Acabo como comecei. Com Deus. E com o Mistério da cor da Eternidade. Que imagino suave, cristalina, inigualável na sua policromia, onde todas as cores se abraçam e nos esperam para nos envolver. Porque a Fé e a Esperança não são só virtudes teologais, são também o arco-íris da explicação para o nosso sentido da vida, cá e lá. Aliadas à Caridade, onde a cor é impressionista, porque vive dentro de nós, entre nós e o outro, entre cada um e o todo, através do Senhor.

As cores litúrgicas são, basicamente, o branco, o vermelho, o roxo e o verde, ainda que, em determinados momentos, tenhamos o dourado, o rosa, o azul e o preto. Neste tempo pascal, o roxo convida-nos a uma profunda interiorização para a reconciliação, jejum e oração, mas igualmente a prepararmo-nos para recebermos o vermelho da Paixão e do sangue derramado por Cristo. Por fim, o branco da pureza e a pureza do branco, o branco da paz e da harmonia na celebração da Páscoa e da Ressurreição do Senhor.

O esplendor do branco: o ponto de encontro de todas as cores. Do poder da união solidária. Da verdade libertadora. Da virtude. Da cor da luz. Da Luz de Deus. Do amor a Deus.