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Liberdade religiosa no mundo – Relatório da Fundação AIS
O mapa da intolerância
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Todos os dias alguém morre por causa da sua fé. Todos os dias alguém mata por causa da religião. Todos os dias. A cada 5 minutos um cristão é assassinado algures no planeta. Por ser cristão, apenas. A Fundação AIS acaba de publicar o relatório sobre a liberdade religiosa no mundo. Ponto da situação? Estamos pior. Muito pior!

 

Lembra-se de Meriam Ibrahim? Está a viver nos Estados Unidos. Esta sudanesa foi condenada à morte, no Sudão, por “apostasia” do Islamismo. Estava grávida. Filha de pai muçulmano e mãe etíope cristã, casou-se com Daniel Wani, cristão do Sudão do Sul, com quem entretanto já tinha um filho, quando alguém a acusou de ter abandonado a sua fé. Porque, diziam, ela deveria ter seguido a religião do pai, apesar de este se ter ausentado de casa quando Meriam era ainda criança. Todos os argumentos de defesa foram inúteis. Meriam foi presa, condenada à morte e só uma enorme campanha internacional de indignação conseguiu a sua libertação. Mas esteve detida desde Maio a Junho deste ano. E o filho nasceu na prisão. E nem nesse momento lhe retiraram as algemas, as correntes que a prendiam ao chão.

 

Que liberdade?

Meriam é apenas uma das muitas pessoas que já foram vítimas da falta de liberdade religiosa no mundo. De dois em dois anos, a Fundação AIS publica um relatório sobre o ponto da situação, em cada país, sobre esta realidade. A prática religiosa é livre ou não? Em que países as pessoas podem ser condenadas por rezarem, por usarem símbolos religiosos, como uma cruz ao pescoço, ou por terem consigo um exemplar da Bíblia, por exemplo?
Há 196 países. O Relatório da Fundação AIS monitorizou o que se passou em cada um deles desde Outubro de 2012 a Junho deste ano. Conclusões? Estamos pior. Em 41 % de todos estes países a liberdade religiosa é inexistente ou está em declínio. Dos vinte países onde se verifica uma maior perseguição por causa de motivos religiosos, a culpa é, numa percentagem elevada, do extremismo islâmico que tem causado tantas tragédias nos últimos anos. Que países são esses? Afeganistão, República Centro-Africana, Egipto, Irão, Iraque, Líbia, Maldivas, Nigéria, Paquistão, Arábia Saudita, Somália, Sudão, Síria e Iémen. Nos outros, a culpa é do extremismo do Estado. São eles o Mianmar (a antiga Birmânia), a China, a Eritreia, a Coreia do Norte, o azerbaijão e o Usbequistão.

 

Coreia do Norte

Lembra-se de Kim Jung-Wook? É um missionário sul-coreano que decidiu ajudar as pessoas que procuravam fugir da Coreia do Norte e que iam parar à China em busca de emprego e que, não o conseguindo, ficavam sem meios de subsistência. Foi preso em Outubro do ano passado. Acusação: ser um espião e procurar criar igrejas clandestinas na Coreia do Norte. Foi condenado a trabalhos forçados perpétuos. Ele é apenas um dos milhares de homens, mulheres e crianças que sofrem cruelmente nos campos de concentração da Coreia do Norte. Um país onde basta alguém ter uma Bíblia para ser detido. E condenado.

 

Milhares em fuga

Que mais nos diz o relatório da Fundação AIS? Que, “no período em análise a liberdade religiosa global entrou numa fase de declínio grave”. Principais responsáveis? “Os países muçulmanos são predominantes na lista de Estados com as violações mais graves à liberdade religiosa”. Mas não são os únicos culpados. Também aqui na Europa a situação não é brilhante. “A liberdade religiosa está em declínio nos países ocidentais predominante ou historicamente cristãos”, pode ler-se. Quais as principais consequências desta intolerância? Pessoas em fuga. Quem não leu já, nos últimos meses, histórias de pessoas obrigadas a fugir de casa, abandonando tudo o que tinham de seu? De novo, voltamos a falar principalmente do Iraque e da Síria. Quantos milhões de pessoas vivem hoje – neste instante – em tendas, em campos de refugiados no Líbano, na Jordânia, na Turquia? “A perseguição das minorias religiosas de longa data e o aumento dos estados uniconfessionais estão a resultar em deslocações populacionais extremamente elevadas que contribuem para a crise mundial dos refugiados”. O relatório da Fundação AIS aponta assim a questão religiosa, o fanatismo e a perseguição como uma das principais causas para haver tantos refugiados no mundo. O que nos dizem as Nações Unidas? Em Junho havia no mundo cerca de 50 milhões de pessoas deslocadas ou refugiadas. É o maior número de sempre desde o fim da II Guerra Mundial.

 

Nigéria

Boko Haram. O nome diz-lhe alguma coisa? Este grupo terrorista islâmico raptou cerca de duas centenas de raparigas no norte da Nigéria. Foi em Abril deste ano. A esmagadora maioria destas raparigas cristãs continua com paradeiro desconhecido. Os líderes deste grupo radical já vieram dizer que iam vendê-las como escravas e que as tinham convertido ao Islão. Imagina-se a dor, o sofrimento dos seus pais? Imagina-se o medo em que vivem estas raparigas?

 

Europa

E na Europa? Nadia Eweida, funcionária da companhia aérea British Airways, tinha de usar uniforme no atendimento diário aos clientes. Mas como fez questão de usar um colar com um crucifixo por cima da blusa, foi colocada em licença sem vencimento. Foi no ano passado. Tal como a história da enfermeira Shirley Chaplin, também impedida de usar um crucifixo no hospital onde trabalhava. Diz o relatório da Fundação AIS precisamente sobre o Reino Unido: Neste país, por exemplo, “as agências de adopção católicas que se recusam a colocar crianças em casais homossexuais foram forçadas a mudar as suas normas ou então tiveram de encerrar”. Esta é uma tendência em toda a Europa Ocidental.

 

Geração jihad

Maio de 2014. Demorou apenas 90 segundos. Um homem que esteve mais de um ano na Síria, em ligação com grupos jihadistas, abriu fogo com uma metralhadora Kalashnikov no museu judaico de Bruxelas. Quatro pessoas morreram. Calcula-se que mais de 3 mil europeus estejam na Síria, no Iraque e na Líbia, combatendo ao lado dos grupos mais radicais, os jihadistas. São a “geração jihad”. Representam eles uma nova ameaça para o mundo ocidental? O terrorismo islâmico enche, hoje em dia, páginas dos jornais e é manchete em todo o mundo. Mas há outros países onde a intolerância religiosa é brutal. E é uma questão de Estado.

 

Tibete sem liberdade

Jamyang Geshe Ngawang tinha 45 anos. Era professor e monge budista. Estava em Lhasa, no Tibete, em férias. Foi preso em Dezembro de 2013. No dia 17 desse mês, a polícia entregou o seu corpo à família. Um amigo, Ngawang Tharpa, contou a uma rádio que ele tinha sido espancado até à morte e que a polícia ameaçara a família de que lhes aconteceria o mesmo se denunciassem o incidente. Incidente? O Tibete é um país ocupado e sufocado pela China. “Depois de ocupado o Tibete (em 1950), o Governo comunista realizou uma série de campanhas de violência e de repressão. Os tibetanos vivem literalmente ‘um inferno sobre Terra’”, acusou recentemente o Dalai Lama, que tem dito repetidamente, que a “consequência imediata destas campanhas é a morte de centenas de milhares de tibetanos”. O Padre Bernardo Cervellera, editor da agência Asia News e um dos especialistas que colaboraram com a Fundação AIS neste Relatório, refere-se à Ásia como um dos continentes mais problemáticos na questão da liberdade de religião. Diz ele: “Excepto em países como o Japão, Taiwan, Singapura, Filipinas e Camboja (com uma ressalva em relação a Mindanao, nas Filipinas), todos os outros relatam graus variáveis de violações da liberdade religiosa de comunidades cristãs, muçulmanas, hindus e sikhs, para já não falar em grupos considerados ‘hereges’ pelas maiorias locais, como os ahmadis e os sufis”.

 

O que é a liberdade religiosa?

Mas, afinal, o que é a liberdade religiosa? Afirma a União Europeia num conjunto de directivas adoptadas em Junho do ano passado: “Enquanto direito humano universal, a liberdade religiosa ou de crença salvaguarda o respeito pela diversidade. O seu exercício livre contribui directamente para a democracia, o desenvolvimento, o Estado de Direito, a paz e a estabilidade”. E que diz o Papa Francisco, por exemplo? “A razão reconhece que a liberdade religiosa é um direito fundamental do ser humano, reflectindo a sua mais elevada dignidade”.

 

Expulsos de casa

Em Julho – ou seja, há cerca de 90 dias, apenas – os jihadistas do Estado Islâmico expulsaram os Cristãos de suas casas em Mossul. Os Cristãos e todas as outras comunidades religiosas não sunitas. Em relação aos Cristãos, assinalaram as suas casas, uma a uma, com um símbolo que, em Árabe, quer dizer “nazareno”. Essas casas foram logo confiscadas. Esses cristãos foram colocados perante três alternativas: ou se convertiam ao Islão, ou pagavam um imposto para o qual não tinham dinheiro, ou eram passados a fio de espada. Fugiram. Até Maio, a cidade de Mossul tinha cerca de 30 mil cristãos. Em Julho, pela primeira vez em 1600 anos, os sinos não tocaram nas igrejas e não houve Missa.

 

Poder da oração

Asia Bibi. O nome diz-lhe alguma coisa? Esta mãe paquistanesa foi presa em 2009, acusada de blasfémia por ter bebido um copo de água de um poço. Foi condenada à morte. Ainda há semanas, o Tribunal da Relação manteve a condenação. Só o Supremo poderá salvar a sua vida. Há dias, escreveu ao Papa Francisco: “Estou a agarrar-me firmemente à minha fé cristã e confio que Deus, meu Pai, me defenderá e me restituirá a liberdade. A minha única esperança é de que um dia poderei ver a minha família reunida e feliz de novo. Acredito que Deus não me abandonará e que tem um plano para a minha felicidade e meu bem-estar, que se realizará muito em breve.” Nesta carta, Asia Bibi fala directamente ao Papa Francisco: “sou sua filha. Imploro-lhe: reze por mim, pela minha salvação e pela minha liberdade. Nesta altura apenas posso confiar-me a Deus todo-poderoso”. 
Asia Bibi continua no corredor da morte, à espera que algum juiz a mande enforcar, cumprindo a pena a que foi condenada. Na sua cela, na prisão de Multán, continua a afirmar-se cristã, continua a confiar em Jesus, continua a acreditar no poder da oração. O Relatório sobre a Liberdade Religiosa no mundo diz-nos que o mapa da intolerância está maior, afecta mais pessoas. Isso significa que todos nós temos muito trabalho pela frente. Um trabalho que não pode ser adiado para amanhã.

texto por Paulo Aido, fotos © DR, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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