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Hermínio Rico, sj
«Igreja-fortaleza» é Igreja sem fortaleza
Quase sempre, as avaliações da situação presente da Igreja, no contexto da parte do mundo onde existimos (noutros lados é diferente!), são marcadas por notas que apontam para retrocesso, fracasso, decadência, incapacidade, ameaça. O juízo depende sempre duma comparação quantitativa (de números, de influência, de poder…), entre o que a Igreja tinha há uns tempos, mais próximos ou mais longínquos, e o que tem agora e pode esperar para o futuro. No fundo desta forma de pensar está sempre a assunção do ideal de cristandade como o padrão primordial para classificar o sucesso da Igreja. Mesmo quando, no que se diz de modo explícito, a cristandade é pacificamente aceite como passado irrecuperável e até rejeitada como idade de ouro ou sequer condição favorável, implicitamente, através dos critérios usados para avaliar a vitalidade eclesial, essa bitola introduz-se sub-repticiamente no olhar e no pensar a realidade atual.

Não há dúvida que a Igreja está a perder comparativamente, se olhamos agora para o espaço que lhe é dado na sociedade, para o número dos seus membros, para a adesão inquestionada aos seus valores. Mas estará a Igreja em perigo? Isso significaria que se fazia equivaler o seu vigor à prova exterior de estar a crescer, a conquistar cada vez mais «território», a permanecer ou acercar-se de uma situação de hegemonia. Ora, o desígnio da Igreja, e portanto a medida do seu êxito, não é nem pode ser este ideal «totalitário»? A fidelidade da Igreja à sua identidade e missão não se mede prioritariamente pela velocidade e acumulação dos frutos, mas pela qualidade sustentada da sua ligação às fontes, não pelos êxitos quantitativos, mas pela vitalidade do seu espírito. A força da Igreja que vale é a do testemunho, não a da popularidade. E o testemunho que a Igreja tem que dar é o do Reino de Jesus Cristo, Reino de amor, justiça, paz e liberdade, mas marcado pela humildade, a pobreza, a vulnerabilidade e até o fracasso e a insignificância perante os poderes do mundo. O triunfo só vem pelo caminho que Jesus escolheu para si, alcança-se depois da Cruz, e através dela.

Se se vê uma Igreja em recuo, a perder espaço, a encontrar cada vez mais rejeição e hostilidade ou apenas indiferença, então começa-se a olhá-la como um espaço de resistência, uma Igreja-fortaleza, acossada por inimigos cada vez mais fortes ou, pelo menos, limitada externamente no alcance da sua ação. Mesmo descontando as correntes eclesiais que fazem deste sentimento de cerco a base da sua identidade, e alimentam aí a reação agressiva que caracteriza o seu relacionamento com o mundo secular, há uma tendência geral para ser influenciado, a um nível mais fundo, por esta leitura da situação da Igreja. Ela afeta igualmente os que se resignam e acomodam e mesmo até os que preferem este estado discreto, minoritário, escondido, mais intimista, de serem Igreja.

Mas a atitude, explicitamente abraçada, ou apenas implicitamente condicionadora, de Igreja-fortaleza diminui a sua missão no mundo. Porque faz dela um espaço mais fechado sobre si, medrosamente a remeter-se para a margem. Seja a «fortaleza» mais defensiva, para preservação e retaguarda de ataque, ou mais refúgio confortável de fuga e desistência de engajamento com o mundo, é sempre sinal de fraqueza da Igreja. A Igreja é para ser espaço que arrisca o encontro, ponte de diálogo, porque existe não para condenar o mundo, nem para o ignorar, mas para ser sinal, fermento, sacramento da sua salvação. A Igreja é meio, não fim em si mesma, e é na vulnerabilidade de se dar ao mundo sem medo que encontra a sua própria fortaleza, porque mais se aproxima do modo de ser de Jesus. A fidelidade da Igreja mede-se pela qualidade da sua identificação com Jesus, não com a grandeza dos triunfos exteriores. Por isso, o que a Igreja tem que se perguntar sempre, em primeiro lugar, é como está a ser Igreja de Jesus Cristo e não o que tem que fazer para ter mais sucesso no mundo.