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Nuno Cardoso Dias
A fiscalidade em Portugal prejudica a família e os filhos

Sistematicamente, quando ouvimos falar de impostos passa a ideia de que as famílias ainda mantêm “benefícios fiscais” quando muitos tendem a desaparecer. Porém a realidade é diametralmente oposta. Há muitos anos que a fiscalidade em Portugal prejudica e muito as famílias e prejudica-as tanto mais quanto mais filhos têm.

Nem vou falar do Imposto Automóvel, que não tem em consideração a dimensão da família e a sua relação com a dimensão do carro.

Também não vou falar de IMT e IMI que também não consideram a dimensão da família, mas consideram a área, tornando mais pesado o imposto de casas maiores, mesmo que a família que lá vive necessite de a ocupar completamente.

Concentremo-nos no IRS, porque é o imposto mais relevante, aquele que nos onera mais e sempre.

Em matéria de IRS assistimos a três realidades: os contribuintes casados são sistematicamente prejudicados face aos solteiros e contribuintes em união de facto, os escalões não têm em conta a dimensão da família e os filhos não contam ou contam muito pouco.

Efectivamente, a lei prevê muitas vezes deduções com tectos máximos que são iguais para solteiros e casados. Veja-se o que acontece com a dedução agora anunciada das facturas do IVA: o montante global é de 250 euros, quer sejam dois, casados ou um solteiro. Daqui resulta que duas pessoas se forem solteiras têm um tecto de dedução de 500 euros, se forem casadas deduzem um máximo de 250 euros. Cada filho vale 10% deste valor, ou seja 25 euros, o que quer dizer que para um casal deduzir o mesmo que duas pessoas solteiras, esse casal terá de ter 10 filhos!

Mas a situação mais curiosa é das uniões de facto, onde os contribuintes podem optar pelo regime de solteiros ou casados, conforme lhes convier. Se o Estado não é capaz – e tinha obrigação de o ser – de desenvolver um sistema que fosse neutro em relação à opção dos contribuintes no que diz respeito à família pelo menos deveria dar-lhes a opção de escolher entre os regimes existentes, em vez de conceder esse direito apenas a uma forma de união, que assim fica privilegiada.

Também no que diz respeito às deduções à tão falada sobretaxa se verifica que cada sujeito passivo pode deduzir 271¤, enquanto os filhos apenas deduzem 13 ¤ por filho.

Finalmente, no que diz respeito às deduções, cada filho vale 10% do sujeito passivo.

Note-se que é a estas deduções que alguma imprensa chama benefícios fiscais, pondo os filhos ao nível de um qualquer equipamento de energia renovável. Embora eles a tenham – a energia renovável – a verdade é que os filhos são cidadãos do país e deviam contar nas contas do agregado. Não é o mesmo ter um rendimento de 1000 euros que a pessoa gasta só em si ou ter os mesmos 1000 euros e ter cinco, seis, pessoas para alimentar, vestir, educar, cuidar.

A Constituição da República Portuguesa prevê expressamente o direito a constituir família o direito ao planeamento familiar, que não passa só por não ter filhos mas também por ter os filhos que se deseja (e que são socialmente desejáveis). Mas se isso não bastasse, a Constituição exige expressamente que os impostos (e também os benefícios sociais) sejam regulados de harmonia com os encargos familiares e, no caso do IRS, que seja progressivo, tendo em conta as necessidades e os rendimentos do agregado familiar. A APFN fez uma simulação, a partir da proposta de Orçamento de Estado. Consulte a tabela: os casais com filhos são sempre  prejudicados, face aos contribuintes solteiros.

 

VALOR MENSAL A PAGAR DE IMPOSTO

RENDIMENTO

PER CAPITA

MENSAL

Solteiro

Casal sem filhos

Casal com 1 filho

Casal com 2 filhos

Casal com 3 filhos

Casal com 4 filhos

Casal com 6 filhos

250¤

0

0

0

0

0

3,53¤

(42,34 por ano)

64,73¤

(776,70 por ano)

500¤

5,10¤

(61,17 por ano)

10,20¤

(122,34 por ano)

64,88¤

(778,59 por ano)

145,83¤

(1.749,95 por ano)

283,57¤

(3.402,83 por ano)

425,27¤

(5.103,20 por ano)

708,66¤

(8.503,95 por ano)

750¤

 

41,35¤

(496,17 por ano

82,70¤

(992,34 por ano)

245,90¤

(2.950,83 por ano)

470,83¤

(5.649,95 por ano)

689,82¤

(8.277,83 por ano)

953,79¤

(11.445,52 por ano)

1.810,52¤

(21.726,27 por ano)