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Arcebispo de Orissa, D. John Barwa, visitou Portugal
Cristãos da Índia aprendem a viver, todos os dias, uma “dor alegre”
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O brilho incessante no olhar do Arcebispo de Orissa, D. John Barwa, reflecte esta expressão que não cansa de repetir: em Orissa, “vivemos uma dor alegre”. De visita a Portugal a convite da Fundação Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), o bispo indiano testemunhou ao Jornal VOZ DA VERDADE a experiência de viver a fé no meio da violência.

 

O drama vivido no Estado indiano de Orissa, a 24 de Agosto de 2008, pode ter sido já apagado da memória de grande parte do mundo. Mas na Índia, num dos estados mais pobres do país, todos os dias o massacre é relembrado. Por quem o viveu e por todos aqueles que tentam levar algum conforto aos milhares de cristãos que nesse dia se viram perseguidos em nome de uma fé que não partilham.

Quatro anos depois, D. John Barwa esteve em Portugal e em entrevista ao Jornal VOZ DA VERDADE, o Arcebispo de Orissa mostrou-se grato pela “generosidade dos países europeus” e garantiu que apesar de todo o sofrimento, os cristãos da Índia são felizes na proclamação da sua fé.

 

Minoria cristã

Na Índia, 85% da população segue o hinduísmo, enquanto 13% segue a religião muçulmana. Os cristãos representam apenas cerca de 2% da população. Mas se até 2008 isso nunca fora um problema - “há muitos séculos que todas as religiões conviviam pacificamente” -, o mês de Agosto desse ano mudaria o 'status quo'. No dia 24 desse mês, o assassinato de um líder nacionalista hindu, atribuído a terroristas maoístas, levaria a que os extremistas hindus tomassem de assalto aldeias e cidades cristãs do estado de Orissa. “É o estado mais pobre do mundo”, lamenta-se D. John Barwa, que revela que quatro anos depois ainda não foi possível dar casa a todos os que foram atingidos pelo massacre.

Morreram, nesse dia, cerca de cem pessoas. Mais de 50 mil ficaram desalojadas e cinco mil casas e dezenas de igrejas foram destruídas. Em Orissa, a maioria da população é 'dalit', ou seja, pertence à classe mais baixa da sociedade. Os 'dalit' são considerados pelos hindus os 'sem casta', também conhecidos por 'intocáveis'. São os mais pobres do país, e aqueles a quem a Igreja Católica mais tem estendido a mão, retirando-os, através de formação, dos trabalhos serviçais aos quais estão culturalmente destinados. Precisamente por essa razão, os católicos são vistos como estando a pôr em causa a estrutura social indiana.

 

Linguagem inclusiva

É aos mais fracos e desprotegidos que a Igreja de D. John Barwa continua a estender a mão. “Nós somos católicos e como tal, somos todos filhos de Deus. Não há castas, não há intocáveis. Estamos a tentar dar formação a todas as pessoas da região, para que possam ajudar na crescente industrialização de Orissa”, esclarece o responsável, sem perder o sorriso rasgado. “Todos temos que falar a mesma língua. Falamos uma linguagem inclusiva. Temos que fazer sobressair o nosso trabalho e mostrar que incluímos todos”.

 

Reconstruir corações e almas dilaceradas

Mas como se reforça a fé de uma comunidade dilacerada pela dor, pela humilhação, pela perda, pela morte? Como se reconstrói uma Igreja que foi ferida por aqueles que vivem ali mesmo ao lado?

“As vocações sofreram, efectivamente, com o massacre de 2008. De repente, parecíamos, todos, ovelhas sem pastor. Mas as nossas dificuldades não nos podem afastar do amor de Deus”, vai repetindo o arcebispo. O trabalho mais importante, aquele que leva conforto, material e espiritual, é feito por todos os religiosos que trabalham com D. John Barwa. “Não são permitidos missionários na Índia”, explica. São, portanto, consagrados – ou voluntários – todos os que tentam reconstruir os corações e almas dilaceradas dos milhares que continuam sem casa. Das crianças a quem foi roubada uma infância de brincadeiras felizes e despreocupadas. Dos idosos que viram uma vida destruída por um dia de raiva cega.

 

Partir e regressar

À falta de missionários, D. John Barwa envia, sempre que pode, religiosos para fora do país. Pede-lhes que “aprendam tudo o que possam e que voltem para ajudar no seu próprio país”. No entanto, revela, o seu “sonho era poder mandar os seus padres estudar fora da Índia, na Europa, por exemplo, durante uns seis, sete anos”. E conseguir que depois disso “voltassem com tudo o que aprenderam” e ajudassem os habitantes de Orissa. “Havemos de lá chegar”, diz.

 

“Vivemos uma fé crescente”

“Eu nunca tenho medo de andar na rua”, garante o arcebispo, afirmando sentir-se “profunda e constantemente acompanhado por Deus”. “São muitas as pessoas que me perguntam se não tenho medo de andar na rua. Se não temo pela minha vida. Que, inclusivamente, me dizem que os extremistas me vão matar. E a minha resposta é sempre a mesma: ‘Sim, vão matar-me. Mas só o podem fazer uma vez, não podem fazê-lo cinco vezes»’, remata. “Eu nunca hesitei, nunca hesito, em dizer que sou arcebispo. Que sou católico. Tanto eu como a minha comunidade temos muito orgulho em ser cristão! E sempre vamos ter”.

É de alegria o semblante que nunca abandona D. John Barwa. E acima de tudo, é o sorriso. Que não vem só dos lábios, mas de um olhar profundo de quem sofreu e ainda assim, não deixa de se alegrar. Todos os dias. “O sorriso não é só meu. É também para os outros. E vem de dentro. Porque eu sei que Deus me ama”, afirma em jeito de justificação.

“Eu sou arcebispo, não por causa do meu esforço, mas porque Deus quis. Eu venho de uma família muito pobre: os meus pais nem sequer estudaram. Mas hoje estou muito orgulhoso, porque Ele me escolheu. E Deus ama-me”, repete. “Sem sorrisos e oração não podemos sobreviver na Índia”, conclui, como se isso explicasse tudo. E volta a sorrir.

 

D. José Policarpo é “um homem fascinante”

Durante a sua passagem por Portugal, D. John Barwa teve oportunidade de conversar com o Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. José Policarpo. “Um homem fascinante”, afirmou. “Enquanto falávamos, podia ver o interesse estampado nos seus olhos. E eu falei-lhe com dificuldade, em italiano – já não pratico italiano há muito tempo e tenho que falar tantas línguas diferentes na Índia que perco a prática – mas ele estava tão interessado”, relatou o Arcebispo de Orissa.

“D. José quis saber mais sobre a AIS, sobre como funciona o auxílio que nos chega. Esse interesse, vindo de um alto responsável da Igreja Católica, aqui em Portugal, é muito fascinante. É um homem maravilhoso, fascinante, que se mostrou muito interessado na missão, e que participou nela, através da escuta das minhas preocupações”.

 

Perdão

De regresso à Índia, D. John Barwa leva consigo o sorriso que de lá trouxe. E a certeza de que as suas comunidades vão receber mais ajuda para conseguirem esbater, ainda que a pouco e pouco, o rasto de destruição que ficou para sempre gravado nas suas memórias. Toda a pouca ajuda material que chegar à Índia será imensa para os cristãos de Orissa. Porque o conforto espiritual, conseguido pelo perdão – “que já todos demos” – aos autores do massacre, precisa de ser reforçado com comida. Com roupa. Com casas reconstruídas. Para que se possa devolver a dignidade a quem tudo perdeu por Amor.

 

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Cristãos são os mais perseguidos

“Todos os anos, milhares de pessoas, no silêncio do mundo, são perseguidas, torturadas, mortas, apenas porque têm uma fé diferente”, afirmou o deputado José Ribeiro e Castro, na apresentação do Relatório sobre a Liberdade Religiosa 2012, no passado dia 16 de Outubro, em Lisboa. Todos os anos a Fundação Ajuda à Igreja que Sofre produz este trabalho de análise estatística sobre a Liberdade Religiosa no mundo, um documento considerado pelo deputado do CDS-PP como “imprescindível”.

Segundo dados apresentados pela AIS, “os cristãos das diferentes denominações são o grupo mais exposto à perseguição”, e “não são só os muçulmanos que oprimem os cristãos, porque, há muçulmanos de diferentes escolas de pensamento que são, muitas vezes, alvo de discriminação”. De acordo com este relatório, “há um crescimento da consciencialização da importância da liberdade religiosa”, verificando-se, também, “uma tendência, muito bem acolhida, para a restituição de bens a grupos religiosos, por exemplo na Turquia e nos países da ex-União Soviética”. NRF

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