Artigos |
apagar
A política, os cristãos e a borboleta (pelo Pe. Alexandre Palma)

É conhecida a máxima: quando uma borboleta bate as asas na China, grandes efeitos se podem produzir em lugares tão longínquos quanto o nosso Portugal. O que eu não sabia até há pouco tempo é que tal aforismo assenta, não num qualquer sábio dito popular, mas numa perspectiva cientificamente testada. De facto, com o chamado «efeito borboleta» dá-se relevo às desproporcionalidades e às descontinuidades que se podem verificar no nexo causa-efeito, pois que mínimas oscilações na origem dos fenómenos podem gerar notáveis desvios nos seus resultados.

O dia em que este texto dá à estampa é dia de eleições legislativas. Se qualquer processo eleitoral é, em si mesmo, um momento relevante do nosso destino comum, o contexto sombrio em que estas eleições decorrem reveste-as de uma importância particular. Vai-se lentamente consolidando, na sociedade portuguesa, a impressão de que se exige uma reflexão séria sobre o que têm sido estes nossos últimos anos, sobre o modelo social, económico e político que, deliberada ou casualmente, acabámos por construir. Os cristãos, contudo, não poderão deixar de prolongar essa mesma reflexão, perguntando-se ainda sobre o modo como se têm (ou não) implicado activamente nos processos democráticos que determinam a vida do país.

É por motivos de actualidade que acentuo aqui o aspecto político do problema, sendo este porém bem mais vasto e profundo. Mas também porque, no nosso contexto nacional, a Igreja tem assumido no campo social uma presença que, estranhamente, não encontra paralelo na esfera propriamente política. Pode sempre dizer-se que, em democracia, a primeira e mais fundamental forma de acção política, é o exercício do direito de voto. Pode ainda admitir-se que entre os cristãos a abstenção avance mais lentamente que entre outros corpos sociais. Todavia, torna-se cada vez mais evidente que a democracia reduzida ao exercício do voto é, em si mesma, uma redução da própria democracia.

A atitude dos cristãos face à política é hoje atravessada por várias contradições. Bastará que nos olhemos e escutemos a nós próprios para percebermos que algo, neste domínio, não está resolvido. Por um lado, parece que tomámos um lugar na vanguarda da desilusão face à política e aos políticos. Desencantados com o estado das coisas, fomo-nos retirando progressivamente da participação política. Preferimos ocupar-nos dos «nossos assuntos». Por outro, criticamos o secularismo que tenta confinar a experiência da fé aos espaços, sempre estreitos, dos templos ou da mera vida individual. Ou então, no que à vida interna da Igreja diz respeito, trocamos entre nós belos discursos sobre a «corresponsabilidade», sobre a «participação» de todos, sobre «construir comunidade», sobre «repensar juntos» a pastoral. Tão evidente disfunção só pode ser sintoma de um problema para o qual urge encontrar resposta, a bem da fidelidade à nossa vocação cristã e da sociedade nacional que somos.

Reconheço que, ao falar de política, tenho de me conter, ciente que estou do quão complexo e polémico pode o tema ser. Também para me ater aos limites que me dita a prudência. Com estas reflexões avulsas gostaria apenas de contribuir para que uma «borboleta» possa levantar voo. Precisamente a «borboleta» da presença dos cristãos na construção política da «cidade dos homens». Pois se é verdade que essa presença poderá não ser grande em dimensão, sabemos também que ela pode ser hoje aquela pequena variação causadora de uma grande transformação amanhã.