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Uma liberdade para o Estado respeitar (por Hermínio Rico, sj.)

Questões ligadas com a liberdade de educação têm tido ultimamente grande destaque nos meios de comunicação social, por força, sobretudo, de uma significativa mobilização de famílias cujos filhos estudam em escolas não-estatais com contrato de associação com o Ministério da Educação.

Directa e imediatamente, reivindica-se do Estado o respeito por compromissos assumidos e uma justa e equitativa disponibilidade financeira que permita a sustentabilidade das escolas com contrato de associação. Estas poderão, assim, continuar a oferecer o serviço público de educação que vêm prestando e as famílias podem, dentro dos condicionalismos acordados, continuar a escolhê-las para os seus filhos, sem mais encargos do que os que pagariam numa escola estatal.

São reivindicações feitas em nome da liberdade de educação. Sem pôr em causa a justeza destas exigências nem diminuir a urgência dos protestos, há, no entanto, que deixar bem claro a natureza do fundamento último destas reivindicações. Poderia parecer, pela forma como se reporta o desenrolar de reclamações e respostas, que se está num simples processo de negociação à procura de um equilíbrio de vantagens mútuas, a tentar obter do Estado algo que lhe compete conceder, ou recusar. Certamente que compete ao Estado decidir sobre subsídios. Mas, e este é o ponto crucial, a liberdade de educação não é um direito concedido pelo Estado. A liberdade de educação, a liberdade de aprender e ensinar, faz parte dos direitos naturais das pessoas. Não é o Estado que os outorga. Antes pelo contrário, é uma das liberdades das pessoas e da sociedade civil que limitam o próprio Estado. O Estado está, isso sim, obrigado a respeitar este direito/liberdade e a garantir condições objectivas para que todos o possam exercer. A liberdade de educação não é para ser concedida pelo Estado, é para ser respeitada (não infringida directa ou indirectamente) pelo Estado.

Em Portugal, o monopólio estatal que domina a educação baseia-se numa velha concepção totalitária do Estado-educador que, secularmente, tem sido utilizada pelos mais díspares regimes políticos, desde o despotismo iluminado pombalino, até aos ideais da sociedade socialista estatizada da Constituição de 1976, passando pelo Estado Novo e a República de 1910. A prática foi sendo acompanhada de um endoutrinamento denegridor do ensino privado e duma exaltação populista do monopólio centralizado estatal, em nome duma pretensa condição de possibilidade exclusiva da igualdade de acesso e duma falaciosa neutralidade do ensino prestado.

Hoje em dia, o estranho não é tanto que continuem a existir forças que procuram activamente a manutenção deste monopólio estatal na educação, sejam as que preservam as posições filosóficas e políticas que o sustentam, sejam as que se juntam por defesa de privilégios corporativos, mais do que por convicção ideológica. O que espanta é o nível de adormecimento da sociedade em geral que aceita facilmente que o exercício desta liberdade lhe seja sonegado, deixando-se embalar no discurso de que isso é um assunto que só interessa a um grupo de privilegiados.

É urgente acordar a sociedade portuguesa em geral para esta questão. Usemos uma alegoria. E se o Estado, em nome do direito ao acesso a uma informação disponível para todos, sem diferenciações nem exclusões, instituísse apenas um canal público de televisão (pago pelos impostos, obviamente) a que todos poderiam ter acesso gratuito, com uma programação definida pelo próprio Estado, porque (assim o justificaria) só o Estado pode ter uma posição neutral, universal, inclusiva, não enfeudada a interesses particulares; dando a possibilidade, a quem quisesse, de contratar outros serviços de informação, que pagaria integralmente do seu bolso, que seriam, obviamente, muito caros e de acesso muito limitado? Como nos sentiríamos? Que reacção seria de esperar? Mas não é isto exactamente o que acontece na educação? E a liberdade de informação é um direito superior à liberdade de educação? E um telejornal e uma programação televisiva têm menos capacidade de influenciar a formação cultural e os valores das pessoas (especialmente as crianças e os jovens) do que uma dezena de anos na escola a estudar conteúdos e perspectivas definidas pelo Ministério da Educação?

Então, porque é que não há mais consciência da urgência de reclamar o respeito pela liberdade de educação? E mais mobilização social para levar a mudanças concretas na política de educação em Portugal?