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José Varela, da Rede Europeia de Ética Empresarial: ?Todos temos uma missão no trabalho!?
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Como é que o cristão se deve colocar diante dos problemas que se geram na relação pessoal e profissional no trabalho? José Varela é da paróquia de Algés-Miraflores e trabalha no Gabinete de Compliance de um grupo financeiro português e na Rede Europeia de Ética Empresarial. À VOZ DA VERDADE desafia os cristãos a assumirem a sua condição de crentes no meio laboral.

Como vê a questão entre o negócio e a responsabilidade social?

Actualmente estou a frequentar o programa doutoral em gestão no ISCTE, e a minha vontade de investigar parte desta constatação: como é que se fala tanto de responsabilidade social nas empresas e a confiança tem vindo a cair em muitos sectores, os problemas de conduta continuam a existir. Há aqui alguma coisa que provavelmente não joga. O que eu acho é que as coisas não estão a ser feitas, em muitos casos, com as alterações necessárias na forma de fazer negócio e encarar a missão das empresas. A chamada responsabilidade social fica-se por vezes por iniciativas laterais, que ficam à margem do core business, ou seja, do negócio propriamente dito. O desafio é levar o posicionamento responsável para o fulcro do negócio, para a parte central do negócio. Claro que aí surgem os dilemas, sobretudo quando há uma tensão entre o fazer dinheiro – que é necessário e útil – e o atender a determinado valor ou princípio, ou quando há vários interesses legítimos a considerar.

Estou ainda numa fase inicial, mas gostava de contribuir para uma teoria da empresa voltada para o bem comum, aliás, como a Doutrina Social da Igreja defende. Apesar disso, esta não é uma linguagem exclusiva dos cristãos, é possível construir pontes com muitos sectores que têm estas mesmas preocupações. Colocando-nos mais explicitamente ao serviço do bem comum, se calhar era possível resolver alguns problemas.

 

A Doutrina Social da Igreja diz que “o trabalho é meio de santificação”. Como é que o cristão se deve colocar diante dos problemas que se geram na relação pessoal e profissional no trabalho?

No Instituto Diocesano da Formação Cristã debatemos precisamente isso, no tema ‘A vida na empresa: como agir?’. Apesar de os cristãos não terem um conhecimento tão profundo da Doutrina Social da Igreja – eu próprio gostaria de aprofundar mais –, muitas vezes temos a noção dos princípios e do que o Evangelho diz. Temos a noção do que devíamos fazer, o problema é como agir face a situações muito concretas. Por exemplo, se estamos numa equipa onde a competição é feroz, como podemos dar testemunho e como nos devemos comportar, sem com isso nos isolarmos e sem prejudicarmos a carreira? Isto preocupa quem trabalha nas empresas e procura viver o Evangelho.

 

No seu caso concreto, como procura fazer?

Se sinto que estou muito numa engrenagem longe do Evangelho e sou confrontado com alguma coisa ou com alguma decisão importante, tento, por exemplo, ir à Missa nesse dia. Parece que me volto a recentrar! Tenho de ir tentar beber da Palavra. Paro. Rezo um pouco sobre o assunto. Mesmo para quem trabalha num ambiente organizacional complicado, devemo-nos lembrar que se calhar não é por acaso que estamos naquela circunstância… todos temos uma missão!

 

A verdade é que nem todos os cristãos trabalham em organizações e instituições da Igreja. E não deixa de ser importante que os cristãos estejam nos locais onde se calhar Deus não está tão presente…

O facto de trabalharmos numa empresa que não tem nenhuma ligação à Igreja é tão ou mais importante que estar numa obra da Igreja. O desafio é tentarmos dar testemunho e ser coerentes – e dar testemunho não é andar a evangelizar os colegas de uma forma proselitista.

 

Mas no seu trabalho, os colegas sabem que é católico?

As pessoas que trabalham mais directamente comigo sabem que eu frequento a Igreja. Mas isso não me dá nenhuma varinha de condão, nem faz de mim uma pessoa especial. Ou seja, não tenho nenhum traço distintivo e também faço imensas ‘asneiras’! Mas tento sempre não me desligar e procuro parar, respirar e rezar sobre o assunto! Nunca nos podemos esquecer que estamos ao serviço dos outros! É preciso ter uma palavra amiga quando é possível e procurar uma relação saudável com todas as pessoas…

 

É então possível compatibilizar o ser cristão e trabalhar numa empresa?

Perfeitamente! Acredito que às vezes diabolizamos um pouco o meio empresarial. As empresas são pessoas, é uma organização de pessoas. Se calhar, por vezes, falta-nos a nós, cristãos, o assumir declaradamente a nossa Fé, sobretudo com actos concretos.

Por isso, também sou da opinião que o maior desafio dos cristãos é connosco próprios! No módulo do Instituto Diocesano da Formação Cristã houve quem perguntasse ao painel de oradores sobre como é que um gestor cristão pode levar uma empresa a ter o mesmo resultado e alcançar os mesmos objectivos que um gestor que não seja cristão e não tenha o mesmo tipo de preocupações. Foi dito, e eu concordo, que o grande desafio é o nosso próprio auto-aperfeiçoamento. Uma mensagem final que também ficou deste encontro, e que também me parece importante, e que às vezes tendemos a pensar que os cristãos são pessoas como os outros e depois parece que em cima têm mais uma série de responsabilidade por serem cristãos, como se fosse um fardo. Ora, para contrariar essa ideia, devemos pensar que o cristão possivelmente tem a vida mais facilitada! Ou seja, temos é de ser pessoas e de nos comportar como homens e mulheres na sua dignidade. Porque cremos e temos esperança, a nossa vida de cristãos devia ser melhor!

 

Em entrevista à Voz da Verdade, Isabel Jonet salientou que “o pior flagelo que pode acontecer a um país é o desemprego”. É que além da questão monetária, há o problema da exclusão social. Ou seja, os desempregados sentem-se como que excluídos da própria sociedade…

O trabalho é um dom. É uma graça de Deus. E não falo apenas do trabalho emprego, mas o fazermos alguma coisa e participarmos na criação, como diz a doutrina da Igreja. Socialmente, o desemprego é uma exclusão. Os desempregados parece que são menos do que os outros. Na sessão do Instituto Diocesano da Formação Cristã houve até alguém que falou dos direitos dos desempregados. Fala-se muito no direito dos trabalhadores mas e os direitos dos desempregados? De facto é um problema grande. A Doutrina Social da Igreja fala do trabalho como base da vida familiar. E depois é tudo o resto, como a realização pessoal, a possibilidade de participar na construção da sociedade, o estar integrado, o estar actualizado, que é posto em causa.

Como cristãos, o desemprego é algo que nos deve preocupar bastante, e há iniciativas que mostram de forma muito concreta que essa preocupação é assumida pela Igreja.

 

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Perfil

José Varela tem 36 anos e trabalha no Gabinete de Compliance de um grupo financeiro português. “Preocupamo-nos com o cumprimento da lei, mas também com tudo o que são boas práticas, normas de conduta e ética”.

Casado, José tem uma filha de 3 anos e um filho que irá nascer no próximo mês e pertence às Equipas de Nossa Senhora. É da paróquia de Algés-Miraflores, onde colabora ao nível dos cânticos litúrgicos. “Na paróquia não havia ninguém que cantasse o salmo e o pároco, padre Daniel, pediu à minha mulher e a mim para iniciarmos esse serviço, e acabámos por formar um pequeno coro que canta no 2º Domingo de cada mês”, conta José, sublinhando que conheceu a mulher Ana no coro dos Jerónimos.

José sempre fez voluntariado. Começou na Comunidade de Santo Egídio onde fazia voluntariado com idosos, em Alfama. “A comunidade sempre teve uma perspectiva de Evangelho e acção. E isso é algo que me diz muito”, refere José Varela. Licenciado em Gestão pela Universidade Católica, surgiu então a questão: por que não aproveitar as competências técnicas que adquiriu para as colocar ao serviço dos outros? “Comecei a pensar que poderia dar um contributo maior e comecei a colaborar com a Entreajuda, uma organização que nasceu a partir do Banco Alimentar”.

Hoje, José Varela realiza o seu trabalho voluntário na EBEN – European Business Ethics Network (www.eben-pt.org), sendo director executivo da secção portuguesa desta rede, a qual existe na Europa desde 1987. A Rede Europeia de Ética Empresarial é uma rede que não tem qualquer orientação religiosa ou ideológica, constituída por membros com muitas perspectivas diferentes, mas que se unem na missão de promover a ética nos negócios. “O seu traço distintivo é o de juntar a vertente mais académica, de investigação da ética nos negócios e da responsabilidade social, com a experiência prática dos profissionais que estão no terreno”.

 

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‘O Trabalho. À luz da Doutrina Social da Igreja’

A segunda edição do Curso ‘Leitura Crente da Actualidade à Luz da Palavra de Deus’, proposto pelo Instituto Diocesano da Formação Cristã, do Patriarcado de Lisboa, tem reflectido sobre ‘O Trabalho. À luz da Doutrina Social da Igreja’. Após os dois primeiros módulos – ‘Trabalhar Para Quê?’ e ‘A vida na empresa: como agir?’ – a formação prossegue esta segunda-feira, dia 28 de Fevereiro, com o módulo de encerramento sobre ‘Que modelos alternativos?’. Será na Igreja do Sagrado Coração de Jesus, em Lisboa, em horário pós-laboral (das 21h às 22h30).

 

Informações e inscrições: 213558026, 916209919 ou idfc@patriarcado-lisboa.pt

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