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Cónego Carlos Paes, Mestre das Cerimónias Patriarcais: ?O Papa foi influenciado pelo ar caloroso, amigável e rendido do povo português? (com vídeo)
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Mestre das Cerimónias Patriarcais, esteve no altar na Missa no Terreiro do Paço a auxiliar Bento XVI. À VOZ DA VERDADE, o cónego Carlos Paes sublinha a beleza da celebração, descrevendo o local como “um dos mais belos” onde alguma vez Bento XVI terá celebrado a Eucaristia.

A Missa do Papa no Terreiro do Paço, no dia 11 de Maio, foi a primeira grande manifestação durante a visita de Bento XVI a Portugal. Um mês após a celebração, o que guarda no coração?

Tenho andado a pensar e a reflectir nas mensagens que ele nos deixou. Quer nas homilias, quer nas várias intervenções. São textos de uma riqueza que não basta ler, é preciso estudar e aprofundar. Ainda esta manhã estive de volta deles para dar uma palavra aos crismandos e encontro sempre novas riquezas. Parecem-se com o Evangelho: cada vez que lá voltamos, encontramos novas riquezas! No fundo é o espírito do Papa! O espírito de um Papa que muita gente desconhecia, fruto de uma visão distorcida que era divulgada por alguma comunicação social que nunca se interessou por conhecer Bento XVI a fundo.

Eu estava convencido de que a visita do Papa seria uma bênção. Foi e excedeu as expectativas! Por isso tenho estado a aproveitar e a desfrutar – individualmente e em grupo – com imenso proveito todas as mensagens que o Santo Padre nos deixou. Há uma série de preocupações que o Papa tem e que eu próprio tenho, no que diz respeito à evangelização.

 

Participaram na Eucaristia cerca de 80 mil pessoas, além de toda a multidão que estava nas ruas circundantes. Viveu-se um ambiente único no Terreiro do Paço, com aquela luz solar de fim de tarde, o coro, os barcos no Tejo, o próprio rio, a cor da juventude, o sorriso estampado na cara das pessoas… De facto, aquela Eucaristia ficou muito marcada pela beleza, concorda?

Concordo absolutamente! Aliás, sempre foi tendência dos crentes em geral convergir para os seus templos e para as suas celebrações o melhor que têm. Às vezes, há até quem se escandalize por povos muito pobres elevarem templos muito ricos. Mas isso é atitude espontânea e natural: o melhor que nós temos é para Deus e até nos podemos despojar de algumas coisas para podermos honrar, digamos assim, de uma forma mais elevada e mais bela a divindade. É, digamos, uma atitude universal e a liturgia beneficia desse facto, por ser uma acção para a qual convergem uma série de formas artísticas, espirituais e místicas que fazem daquela acção um ritual riquíssimo de significados e de simbolismos que quando são desenvolvidos de forma equilibrada, e pondo cada coisa no seu lugar, contribui para fazer crescer este povo que desenvolve esta acção sagrada.

 

A imagem tem um poder imenso neste novo século. Ao entrar no Terreiro do Paço, de ‘papamóvel’, Bento XVI fez questão de abrir a janela, mostrando dessa forma ao mundo um rosto de proximidade. Este Papa ‘menos tímido’ marcou também a celebração eucarística, concorda?

Certamente que todos nós somos sensíveis aos ambientes onde estamos. Qualquer pessoa que vai ter uma actuação perante um público é sensível à receptividade que encontra nesse público e o Papa também não é excepção. Ele terá sido influenciado por aquele ar caloroso, amigável e rendido de um povo perante o seu pastor universal. Isso ali aconteceu um pouco pela nossa maneira de ser, já que os portugueses sempre viveram da devoção ao Papa e isso transpareceu naquela celebração. Somos um povo habituado a isto, a ver o Papa como o pastor, o pastor supremo. E então é normal recebê-lo com júbilo, com empatia, numa comunhão verdadeiramente eclesial.

 

O Papa deixou vários ensinamentos, sobretudo à Igreja de Lisboa. O que gostaria de destacar das palavras de Bento XVI?

Eu tenho vindo a destacar na minha reflexão várias coisas. Em todos os momentos, o Papa não se limitou a ser teólogo, mas ele foi acima de tudo pastor, interessou-se verdadeiramente pela Igreja em Portugal. Sublinho o desafio que fez em sermos cada vez mais uma Igreja que tem consciência que muita coisa mudou. Já não podemos contar com aquele fundo de consciência cristã, de sensibilidade, de formação. Estamos numa fase em que mantemos os rótulos, mas depois esses conteúdos já nada têm a ver com os rótulos. De facto, nós hoje chegamos à conclusão que temos de fazer de novo uma iniciação e o Papa falou nisso claramente. Temos de voltar à estaca zero! E então recomeçar com uma pastoral iniciática e em diálogo com as culturas emergentes e com as outras formas religiosas. Este é um desafio muito grande que o Papa nos fez. É necessário envolver nesta missão todos os baptizados. Normalmente falamos de leigos e aí pensamos sempre na tripartição clássica: clero, religiosos e leigos. Mas a perspectiva é outra, não de uma Igreja tripartida, mas uma Igreja de baptizados que é chamada a evangelizar, a pastorear e a santificar.

 

Na sua homilia, o Santo Padre referiu-se a Lisboa como uma cidade “donde partiram em grande número gerações e gerações de cristãos”, reforçando ainda que “nas cinco partes do mundo, há Igrejas locais que tiveram origem na missionação portuguesa”. Sendo a nossa diocese uma terra de tradições missionárias, como deverá ser a missionação do século XXI?

Hoje já não podemos distinguir países-missão. Quando dizíamos terras de missão pensávamos em algum lugar longínquo. Hoje, qualquer terra é terra de missão e mesmo esta velha Europa tem de facto de voltar a ser missionada. Hoje, a grande tarefa da Igreja é pensar esta questão, não somente com programas pastorais que apenas fazem uma pastoral de manutenção, é pensar em programas que visem uma reiniciação que sejam concebidos a longo prazo. Temos de pensar onde queremos chegar e como é que vamos desenvolver. Acho que temos tido programas pastorais muito fragmentados e pouco consequentes. É preciso mudar de atitude! O Papa não tem tido, inclusive, medo de falar de um reajustamento dos recursos que temos. Trata-se de se fazer uma sinergia para que todos os cristãos deixem de ser meros espectadores, porque todos somos co-responsáveis e colaboradores.

 

Mas há ainda muita missão para fazer na cidade de Lisboa…

Claro! Nós estamos a ser surpreendidos e ultrapassados pelos acontecimentos. Tenho como pequeno exemplo o que diz respeito à preparação para o matrimónio. Antes, eram casais de jovens que queriam casar, cada um vivia do seu lado e encontravam-se aqui para prepararem uma celebração próxima. Acontecia raramente já co-habitarem e quando isso acontecia até falavam nisso com alguma reserva, algum pudor. Agora, 80 por cento dos casais já vivem juntos, já têm portanto uma experiência ‘pré-matrimonial’. Ora, isto obriga-nos a mudar radicalmente o tipo de preparação que fazemos e o tipo de mensagem que lhes damos. Porque as experiências que eles iriam experimentar, já experimentaram. Há que mudar! E o mesmo se passa nas catequeses e na iniciação cristã… há coisas elementares que as pessoas já não sabem o que significa. As pessoas recorrem aos sacerdotes quando precisam. Por vezes, sinto-me um ‘funcionário do culto’. Um culto que lhes permite resolver algumas dificuldades que eles têm. Mas a vida cristã não é assim. Toda a nossa pastoral tem de ser revista de forma corajosa, porque apesar de tudo, nós, clérigos, continuamos a ser bastante centralizadores.

PERFIL

Cónego Carlos Paes, de 71 anos, é o pároco de São João de Deus e dos Doze Apóstolos, vigário da Vigararia IV, director do Departamento da Animação Comunitária, Mestre das Cerimónias Patriarcais e docente da Universidade Católica Portuguesa.

 

O que é ser Mestre das Cerimónias Patriarcais e que significado tem para si desempenhar esta missão?

Entrei nesta história de ser Mestre das Cerimónias Patriarcais pela porta ‘enviesada’, porque quem me pediu para o substituir uma vez foi o padre António Rocha, estava eu no Seminário dos Olivais. Um Mestre das Cerimónias é, tradicionalmente, uma pessoa muito atenta às rubricas… mas eu não sou nada rubricista, mas sou, digamos, sensível à liturgia. É capaz de ser essa a minha mais-valia. Portanto, tento apanhar a liturgia não pelo lado da rubrica, mas pelo seu valor simbólico. A liturgia é uma acção sagrada e altamente significativa. É um espectáculo multimédia: desde a música, as roupagens, as deslocações, o incenso, a luz, as alfaias litúrgicas… tudo é um espectáculo, mas é, sobretudo, uma acção sagrada. Um Mestre de Cerimónias deve pôr em realce aquilo que é essencial numa celebração e ajudar todos que estão presentes para que não sejam apenas espectadores, mas participem nela.

 

O que sentiu na Missa do Terreiro do Paço ao estar no altar a auxiliar o Santo Padre?

Eu tenho a sensação que partilhei dos mesmos sentimentos do próprio Papa, que se emocionou com toda aquela beleza do lugar e a forma de participação da assembleia. Até nos momentos de silêncio se percebeu que o Santo Padre ‘agarrou’ a assembleia e contagiou-a com o espírito que dele irradiava. E esse lado mais ‘artístico’ estava tão evidente que os próprios monsenhores, que vieram de Roma como Mestres de Cerimónias, estavam sensíveis à beleza de todo aquele cenário. Este foi um dos locais mais bonitos onde o Papa terá estado a celebrar. Tenho na memória também de quando passávamos no cortejo pelo meio da assembleia ver as crianças de um lado e os jovens do outro, a forma como eles gritavam e a alegria que emanavam.

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