Catequese |
A espiritualidade do catequista
A escuta da palavra de Deus
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Como vimos no artigo anterior, o encontro com Cristo acontece por meio de mediações eclesiais, sejam elas de índole especificamente sacramental ou não. Uma dessas mediações é o conjunto textual corpus bíblico, no qual Deus fala ao seu povo e este se assume como ouvinte religioso da Palavra de Deus e a proclama com confiança (cf. DV 1). 

É neste duplo movimento de escuta e proclamação que podemos considerar uma adequada conceção de evangelização, assim como enquadrar o lugar dos evangelizadores. Conceber uma evangelização que não tenha o seu fundamento na palavra de Deus pode redundar em práticas eclesiais deficitárias, ora porque se tende a acentuar um espiritualismo desvinculado da realidade (neo-gnosticismo) ou a valorizar em demasia o papel do evangelizador face à surpresa de Deus (neo-pelagianismo). Estes riscos também podem ocorrer na catequese e representam perigos nefastos para a formação da identidade religiosa conduzindo, muitas vezes, ao ateísmo.

A natureza da identidade do catequista coincide com um duplo movimento de escuta e de anúncio da palavra de Deus. Uma bela imagem do Papa Francisco ajuda-nos a perceber a relação fecunda entre os dois movimentos. “O coração do catequista vive sempre este movimento de ‘sístole-diástole’: união com Jesus - encontro com o outro. Existem as duas coisas: eu uno-me a Jesus e saio ao encontro dos outros. Se falta um destes dois movimentos, o coração deixa de bater, não pode viver. Recebe em dom o querigma e, por sua vez, oferece-o em dom.” (Discurso aos catequistas, 27.09.2013)

O movimento da escuta da palavra de Deus e união com Jesus acontece, de modo particular, na preparação de um encontro de catequese. Esta requer um tempo adequado de oração, estudo, reflexão e criatividade. São muitas as objeções colocadas a uma boa preparação da catequese, tais como a falta de tempo, a escassez de bons recursos, etc. Na origem destas e outras objeções está, frequentemente, uma razão mais profunda: o desafio de se colocar diante de Deus e de si próprio, aceitando o risco de ser o primeiro ouvinte da palavra que se vai anunciar. O catequista é o primeiro destinatário do querigma que deve acolher com confiança e alegria. Para que tal possa acontecer é de extrema utilidade a prática individual e/ou comunitária da leitura orante das Escrituras. De entre muitas propostas de oração existentes, o catequista deve ser um praticante assíduo da lectio divina. A leitura orante da palavra de Deus manifesta a confiança que o catequista deposita no Espírito Santo, agente principal da catequese, mais do que em si próprio ou nos recursos pedagógicos de que dispõe. Parafraseando o Papa Francisco, o catequista «deve ser o primeiro a desenvolver uma grande familiaridade pessoal com a palavra de Deus: não lhe basta conhecer o aspeto linguístico ou exegético, sem dúvida necessário; precisa de se abeirar da Palavra com o coração dócil e orante, a fim de que ela penetre a fundo nos seus pensamentos e sentimentos e gere nele uma nova mentalidade». (Evangelii gaudium, 149). Este exercício consta de alguns elementos imprescindíveis que passamos a identificar:

- Seleção do texto bíblico. Normalmente o texto principal da catequese.

- Invocação do Espírito Santo. Oração em que se pede a luz do Espírito para acolher a surpresa da palavra de Deus.

- Leitura do texto. Análise de cariz narrativo, identificando o que diz o texto, assim como as suas personagens, ações, lugares, tempos, jogos de palavras, etc.;

- Meditação do texto. Reflexão sobre os sentidos literal, espiritual e teológico do texto com a ajuda do guia do catequista (desenvolvimento da catequese e introdução).

- Interiorização do texto. Confronto com o texto, extraindo dele questões e respostas relativas a si mesmo, à fé da Igreja e à interlocução com os destinatários da catequese. Tem em vista a conversão e a transformação dos leitores. Extração da mensagem central do texto.

- Oração diante do texto. Respeitante à mensagem do texto e forte cariz existencial.

 

A escuta orante da palavra de Deus permite ao catequista viver uma autêntica experiência de fé. Através dela, ele pode experimentar que o encontro com o Deus de Jesus Cristo não se limita aos textos narrados nas sagradas escrituras, mas continua hoje na sua própria vida. Este jogo de espelhamento da própria vida no texto bíblico é fulcral para a qualidade do anúncio e para o modo como o catequista pode ser determinante para que a revelação ecoe no hoje dos catequizandos, tornando-a numa experiência viva e atual.

O movimento de escuta orante da palavra de Deus é fulcral para que se ofereça o querigma como dom. Não um querigma de frases feitas ou clichés, mas um querigma perpassado pela existência do catequista. A catequese deve consistir numa autêntica introdução «à leitura da Sagrada Escritura feita segundo o Espírito que habita na Igreja» (Diretório Geral da Catequese 1997, 127; cf. DC 37). Todavia, se esta experiência não acontece na vida dos catequistas tão pouco há-de suceder-se na catequese. A referenciação da mensagem central do texto bíblico constitui a coordenada que confere unidade ao encontro de catequese. Melhora a planificação e afina o modo como abordar os catequizandos relativamente às suas experiências.

 

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Lectio divina

É uma forma aprofundada de oração, a partir da leitura da Sagrada Escritura, que exige disponibilidade de tempo e de espírito. Não admira por isso que tenha surgido nos mosteiros, promovida por grandes mestres da espiritualidade, como Sto. Agostinho, S. Jerónimo, S. Gregório Magno e outros. Floresceu até à Idade Média. Com o gosto da especulação teológica resfriou nos conventos a sua prática e, por altura da Contra-Reforma, quase desapareceu, pelos temores, na Igreja, do livre exame da Bíblia, praticado pelos protestantes. Reacendeu-se o interesse por ela em meados do séc. XX, sobretudo com o Conc. Vat. II, que, na Const. dogm. Dei Verbum (n. 25), recomenda a leitura assídua da Escritura em clima de oração. A lectio divina inicia-se, como toda a oração, pela preparação do ambiente exterior e interior, avivando a fé e invocando o Espírito Santo: a) lê-se, em primeiro lugar, a sós ou em grupo, uma passagem do Escritura, eventualmente introduzida ou explicada por alguém competente; b) segue-se um tempo de meditação, que é um aprofundamento do sentido do que se leu, apelando à inteligência, à memória, à imaginação e ao desejo, eventualmente com a partilha da palavra; c) à medida que se vai escutando o que Deus diz, o fiel responde com a oração, que pode ser de arrependimento, de ação de graças, de intercessão, de súplica ou de louvor; d) na medida da graça do Espírito Santo, esta oração desabrocha em saborosos momentos de contemplação, que tornam mais viva e íntima a comunhão com Deus, e predispõe a alma para uma vida mais santa e mais ativa na realização do Reino de Deus.

D. Manuel Falcão, Enciclopédia Católica Popular

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