Família |
Daniel Frutuoso
Jornada Mundial da Juventude: um caminho vocacional
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“Como disse o Santo Padre, temos agora de sair daqui e pôr em prática tudo o que aprendemos. E a próxima Jornada Mundial da Juventude (JMJ) terá lugar em Portugal.”

O Cardeal Farrell, Prefeito do Dicastério para os Leigos, a Família e a Vida, tinha acabado de anunciar que a próxima JMJ seria no nosso país. Confesso que não foi uma notícia totalmente nova ou inesperada. De facto, já todos aguardávamos o seu anúncio. Apesar disso, e em plena época de exames do 2º ano de Ciências Farmacêuticas, não consegui estudar mais nada, nesse dia. Entre a alegria da notícia, a tristeza por não poder estar no Panamá, naquela Jornada, e a surpresa por ver muitas caras conhecidas no palco, junto ao Papa Francisco, a saltar com a bandeira de Portugal nas mãos, acabei por ficar agarrado ao ecrã da televisão da minha sala de estar. Hoje, seminarista do Tempo Propedêutico do Seminário Patriarcal de São José de Caparide, recordo com muita alegria as pessoas, os abraços, os encontros, as muitas (muitas, muitas) reuniões, as horas de sono que devi à cama,... quatro anos de preparação, que culminaram numa semana de verdadeiro encontro com Cristo Vivo, de 1 a 6 de agosto de 2023.

Se naquele dia, 27 de janeiro de 2019, me dissessem que hoje estaria no Seminário a escrever este texto, não acreditaria. Seria uma volta de 180º, para uma pessoa que gostava de ter todas as peças do puzzle da sua vida nas suas mãos, para a poder controlar e não ser surpreendido – não fosse eu um homem da ciência, habituado a protocolos e a observação de factos.

Naquele dia, lembro-me de ter ficado muito entusiasmado e nervoso com a ideia de Portugal ir receber a próxima JMJ. Nunca tinha tido a oportunidade de participar em nenhuma, mas os meus pais e alguns amigos falavam-me, com muito fervor, das suas bonitas experiências de jornadas, nomeadamente, na partilha da fé com irmãos de outras nacionalidades ou no acolhimento por parte das paróquias de acolhimento de peregrinos. Eu também queria acolher os peregrinos, vindos de todas as partes do mundo. Queria recebê-los na minha casa e na minha terra!

Mas eis que, em agosto desse ano, recebo um convite inesperado que, se, por um lado, acabará com as noites livres dos quatro anos seguintes, por outro, dará início à maior aventura em que já tive oportunidade de participar. Pediram-me que pertencesse à equipa da Pastoral Juvenil do Patriarcado de Lisboa – o Comité Organizador Diocesano (COD). De facto, a organização da JMJ ainda não tinha começado “oficialmente”, mas já se faziam convites para serem formadas equipas de trabalho, que começassem a pensar neste “mega evento”. Foi um convite muito fácil de aceitar. Na realidade, confesso aqui que não pensei muito sobre os prós e os contras de estar na organização da JMJ. Muitas foram as vezes em que tive de abdicar de estar com a família ou com amigos, porque tinha reuniões na Sede ou numa das quase 300 paróquias do nosso Patriarcado. No entanto, nunca me passou pela cabeça que teria sido melhor não ter aceitado este convite. Muito pelo contrário! Quando mais me custava ou achava que as coisas só podiam correr mal, mais tinha a certeza de que a JMJ, e este convite, em particular, só podiam ser de Deus.

Com esta equipa, tive a oportunidade de organizar duas Jornadas Diocesanas da Juventude, em Queluz e em Oeiras, e de estar responsável por acompanhar as paróquias e as vigararias do Oeste da nossa diocese. Conseguimos criar uma rede de contactos, em que todas as paróquias tinham um jovem responsável, que comunicava com o jovem da sua vigararia que, por sua vez, comunicava com a equipa diocesana. Mais do que um fluxo de comunicação, criou-se um corpo, em que todas as paróquias trabalhavam em conjunto e se entreajudavam. Esta é, talvez, das recordações mais bonitas que guardo deste caminho de trabalho no COD Lisboa – o sentir-me Igreja Diocesana, unida ao seu Bispo, “como se tivéssemos uma só alma” (At 2, 42).

Os dias, os meses e os anos iam passando, e a Jornada ia sendo organizada. Uma pandemia chegou até nós, o que obrigou a Santa Sé a adiar a JMJ, por um ano. Simultaneamente, ia vivendo e avançando no curso. Na Faculdade de Farmácia, fiz parte da Associação dos Estudantes, tendo estado no Departamento de Ação Social, bem como no Departamento de Política Educativa. Mais tarde, fui Presidente da Mesa da Assembleia Geral. De facto, a minha vida, hoje, no Seminário, em que sou chamado à recoleção e ao resguardo, é muito diferente dos tempos que vivi, durante os anos de curso, em que procurava tudo, menos o silêncio. Naquele tempo, sentia (e sinto!) em mim, uma grande necessidade de servir os outros. Queria ser útil. No entanto, à medida que o curso ia avançando, ia ficando, cada vez mais, confuso: sendo farmacêutico, podia ajudar o outro. Mais, podia contribuir para a sua saúde. Todavia, não era suficiente. Mas não lhes podia levar Aquele que me “tirava” o tempo de todas as noites em reuniões de COD, Escuteiros ou Equipas de Jovens de Nossa Senhora. Não lhes podia levar Aquele que me tornava feliz nessa “vida entregue”. Não sabia o que fazer com este desejo e, por isso, decidi... não fazer nada. Até porque, a ideia de entregar a vida totalmente ao Senhor, sendo padre, estava completamente fora de questão. Isto porque, convenhamos, ser seminarista era para quem não estava resolvido da vida... E eu estava resolvidíssimo!

Após ter terminado o curso, em junho de 2022, recebi uma proposta de emprego para uma farmácia. Finalmente, estava a trabalhar naquilo para o qual tinha estudado. No entanto, tornava-se cada vez mais claro que este emprego não era suficiente. Faltava poder falar d’Ele com as pessoas e gritar que Ele as amava. Em dezembro, recebi uma proposta para ir trabalhar, a tempo inteiro, para a sede da JMJ, numa equipa diferente da qual tinha trabalhado nos 3 anos anteriores. Por esta altura, tinha procurado auxílio, junto de um sacerdote, deixando-me de medos infundados e irracionais, para que este me ajudasse a perceber o porquê de não estar, totalmente, realizado em farmácia, mas sem que se pusesse a hipótese de uma entrada no Seminário. Eu queria descobrir o caminho que o Senhor tinha sonhado para mim, mas sem O deixar ser o arquiteto desse caminho. Olhava para mim e já tinha decidido o caminho. Na realidade, sem saber que o fazia, descartava, completamente, a hipótese de o Senhor poder ter uma opinião. Foi na direção espiritual que aprendi que amar implica uma doação, por inteiro. E, para isto, devia renunciar ao que me era mais cómodo, procurar a verdade de mim mesmo, revelada por Jesus, e crescer na disponibilidade para o serviço do próximo. E eis que surge o convite: “Já pensaste se o Senhor não te quer levar ao Seminário?”. Tremi. Não sabia o que dizer. Queria fugir, mas não havia esconderijo. Prometi ficar a rezar o assunto.

Decidi aceitar o trabalho na JMJ, e sair da farmácia. Se por um lado, era a forma de trabalhar perto de Jesus, com um sacrário “à mão” (muito importante para o discernimento vocacional), por outro lado, foi a oportunidade de trabalhar numa equipa, a Rede Igreja, responsável por fazer a ponte entre as 21 dioceses do país e a organização central da jornada. Se no COD Lisboa tinha tido a oportunidade de conhecer a realidade diocesana, nesta equipa pude ser a ponte entre diversas realidades eclesiais. O que mais me surpreendeu foi perceber que os jovens portugueses têm muita sede do Senhor e de algo que lhes dê unidade e sentido à vida, mas que, por outro lado, existe muita falta de pastores que os ajudem neste caminho do discipulado. Como seria possível haver tanta falta de vocações? “O problema não é a falta de vocações, mas a falta de respostas ao chamamento”, disseram-me. Eu não queria faltar a este chamamento. O Senhor já tinha revelado, de todas as formas e feitios, que o caminho era pelo Seminário: só faltava a minha resposta que acabei por dar, depois de fazer um retiro de silêncio, entregando-Lhe o meu Sim. 

Entrei no Seminário no dia 17 de setembro. Neste Tempo Propedêutico sou chamado a aprofundar a relação com Jesus, procurando responder às questões “Quem És Tu, Senhor? Quem sou eu?”. Desde o silêncio e a tranquilidade deste Seminário, o Senhor vai-se revelando na Eucaristia e na Palavra, e, também, nos 13 irmãos com quem partilho a casa. De facto, atrevo-me a dizer que nunca um silêncio foi tão gritado!...

Aqui, no coração da Igreja, agradeço ao Senhor por, como outrora aos discípulos de Emaús, me ir explicando os Seus sinais, por vezes, com muita paciência.

Discreto e humilde São José, padroeiro desta casa, que a teu exemplo seja capaz de sonhar os Sonhos de Deus, deixando que Ele me “estrague” os planos, sabendo que a verdadeira felicidade está em entregar-Lhe tudo.

texto por Daniel Frutuoso


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Testemunho dos pais do agora diácono Pedro Araújo

Há seis anos, com a entrada do Pedro no Seminário, o nosso coração sofreu uma mistura de sentimentos. Uma enorme alegria, por ele decidir fazer um discernimento acerca da sua vocação, mas muito cedo passámos pela síndrome do ninho vazio, visto ser filho único.

Desde cedo sentíamos que o Senhor queria algo, que o chamava. Não conseguimos explicar, mas a forma como o nosso filho se portava na missa, na catequese, no coro da igreja, nas brincadeiras “às missas”, na escola quando desenhava um sacerdote e dizia aos colegas que o seria quando fosse grande, fazia arder-nos no peito que talvez o Senhor o quisesse como trabalhador para a Sua messe. Temos consciência que tanta falta fazem, mas pensamos sempre que serão os outros. Quando nos toca a nós, por vezes, temos dificuldade em aceitar, por muita fé que se tenha. Mas as recompensas são muitas: a nossa família aumentou. A família do seminário também é nossa, ganhámos mais filhos, mais irmãos, mais amigos. Partilhamos alegrias e preocupações, mas principalmente, estão e estamos sempre presentes nas orações de cada um.

O Pedro foi ordenado Diácono no dia 3 de dezembro, primeiro Domingo do Advento.  Certamente vai ajudar-nos ainda mais, a preparar os nossos corações para a vinda do Senhor, a cimentar esta fé, que foi crescendo dia após dia com o testemunho de vida e fé do nosso filho e de todos aqueles que partilharam com ele estes anos de seminário.

texto pelos pais do diácono Pedro Miguel de Oliveira Araújo

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