É bem conhecido o tema geral pelo qual o Papa Francisco convocou toda a Igreja para o processo sinodal que está a decorrer: «Por uma Igreja sinodal: Comunhão, Participação e Missão» (itálico nosso)[1].
A “missão” é uma categoria eclesial fundamental. A Igreja é não só o sujeito da missão, como não existe Igreja sem missão. Isto mesmo se colhe da passagem de São Paulo, na sua carta aos Romanos, onde se pode ler: «Como hão-de acreditar naquele de quem não ouviram falar? E como hão-de ouvir falar, sem alguém que o anuncie? E como hão-de anunciar, se não forem enviados?» (Rm 10, 14-15).
Nesta peugada, diz-nos o documento “Vademecum para o Sínodo sobre a Sinodalidade”, no ponto 1.4., falando da “Missão”: «A Igreja existe para evangelizar. Nunca podemos estar centrados em nós mesmo. A nossa missão é testemunhar o amor de Deus no meio de toda a família humana. Este Processo Sinodal tem uma dimensão profundamente missionária»[2]. Por sua vez, no Instrumentum Laboris para a XVI Assembleia Geral Ordinária do Sínodo dos Bispos, concretamente na sua secção B, volta-se a falar na «comunhão, missão e participação» como questões prioritárias para a Igreja. No desenvolvimento da dimensão missionária da Igreja somos todos desafiados à co-responsabilidade na missão, através da partilha de dons e tarefas, ao serviço do Evangelho[3].
Esta questão de fundo é depois concretizada por uma série de fichas de trabalho cujo teor acaba por percorrer as três formas clássicas da evangelização: a evangelização ordinária, a “nova evangelização” e a evangelização ad gentes. Curiosamente, no pontificado do Papa Francisco, já se vislumbram muitos sinais de uma Igreja missionária a fazer um esforço por operar num enquadramento sinodal.
Se a palavra “sinodalidade” remete para um caminho conjunto, no qual os crentes são chamados a uma participação activa na vida da Igreja e nos seus processos de decisão, então a própria constituição deste Sínodo, que irá reunir em Outubro deste ano, já reflecte isso mesmo. Efectivamente, a título de exemplo, há que sublinhar a participação, pela primeira vez, de mulheres com direito de voto. Também estará presente, na referida assembleia, um grupo significativo de outros leigos. E estarão em cima da mesa questões pastorais incómodas e difíceis, já presentes no “documento de trabalho”, para debate no Sínodo. Isto é também indiciador de uma preocupação missionária em espírito sinodal.
Se pegarmos nalguns dos temas fundamentais do magistério do Papa Francisco, há muito que explorar neste domínio… Desde logo, o conceito de “periferias”. Para o Santo Padre, deve ser dada prioridade à missionação das periferias. Como se sabe, não são tanto as periferias geográficas que estão aqui em causa – ainda que também estejam presentes – mas sobretudo as periferias existenciais. Os mais pobres e marginalizados estão seguramente no coração do Papa. Isso constata-se, não só nos seus escritos e discursos de ocasião, como, de modo particularmente patente, nas suas viagens pastorais.
Para além das suas viagens dentro de Itália, muitas vezes a bairros miseráveis, é de assinalar que a sua primeira viagem fora de Roma foi à ilha de Lampedusa, para lembrar ao mundo o drama dos refugiados. O Papa Francisco tem sido um arauto em relação ao drama dos refugiados e dos imigrantes, que ele vê essencialmente como vítimas das distorções do sistema de globalização mundial, mais preocupado com os bens materiais do mundo do que com os seres humanos que o habitam.
Numa reafirmação do empenhamento da Igreja pela causa dos pobres, o Papa Francisco publicou, em 20 de Novembro de 2016, a Carta Apostólica Misericordia et misera, no termo do Jubileu Extraordinário da Misericórdia, pela qual instituiu o “Dia Mundial dos Pobres”, a ser celebrado no XXXIII Domingo do Tempo Comum. Pena é que, em pleno século XXI, entre os “pobres” e “marginalizados” ainda estejam incluídas, de modo desproporcionado, as mulheres. E o Papa também tem sido sensível a este aspecto.
Entre outras palavras-chave presentes no seu magistério, poderíamos ainda sublinhar a “alegria”, a “misericórdia”, a “fraternidade universal” – e aqui incluiríamos os seus esforços ao nível da promoção do ecumenismo e do diálogo inter-religioso – a “ecologia integral” e, claro está, a própria “sinodalidade”. Esta última realidade também ficou bem patente nas recentes Jornadas Mundiais da Juventude, com o apelo do Santo Padre ao acolhimento de “Todos” na construção da Igreja.
De tudo isto se infere um denominador comum: a responsabilidade pelo próximo, nosso irmão, e pela nossa “casa comum”. Ao fim e ao cabo, trabalhar para o bem comum é um dever próprio do cristão.
Podemos, pois, concluir que a missão da Igreja em contexto de sinodalidade, proposta pelo Papa Francisco, é um processo que já está em marcha, mas que só chegará a bom porto se deixarmos o Espírito Santo actuar. Para tanto, há que guardar um coração humilde e cultivar a fidelidade à Revelação cristã. A este respeito, alertava o Santo Padre, em entrevista recente, a propósito do “caminho sinodal” da Igreja alemã, que, «Quando a ideologia se envolve nos processos da Igreja, o Espírito Santo vai para casa»[4]. No fundo, o repto à Igreja é o mesmo de sempre: há que caminhar, há que descobrir, há que progredir… mas para o bem, não para o mal. E aqui ecoam as palavras avisadas de São Paulo: «Não apagueis o Espírito. Não desprezeis as profecias. Examinai tudo, guardai o que é bom» (1 Tes 5, 19-21).
[1] Ver Sínodo 2021-2023, documentos e orientações. Secretariado Geral da CEP, 2022.
[2] Cf. Sínodo 2021-2023, documentos e orientações, p.43.
[3] Ver “Instrumentum Laboris” para a XVI A.G. Ordinária do Sínodo dos Bispos, 20.06.2023. In https://press.vatican.va Data de consulta: 17 Julho 2023.
[4] Cf. MARQUES, Ademar Vala, “A jornada da Igreja que já foi de César”. In Revista Expresso, Ed. 2647, 21 Julho 2023, p.34, op. cit.
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