Por uma Igreja sinodal |
Sínodo
O Documento da Etapa Continental da Europa (Parte II)
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Depois de elencar as sete intuições antes referidas, o documento da Assembleia Continental da Europa apresentou as principais tensões com que as Igrejas particulares na Europa se defrontam em ordem a prosseguir o modo sinodal de ser Igreja:

1. Relação entre Verdade e Misericórdia. O documento indica que não basta proclamar que há que acolher os pobres, os excluídos, as pessoas com deficiência, as vítimas e os que estão nas margens (recasados, pessoas com diferentes identidades de género), mas é preciso descobrir com eles o seu lugar de pleno direito na Igreja. Ao mesmo tempo, a Igreja não pode confundir soluções pastorais com prelúdios para “alterações doutrinais” incompatíveis com o Evangelho. Esta tensão não se resolve, antes é um lugar a ser habitado salvificamente, a partir da paixão de Jesus, onde misericórdia conduz à Verdade. Tal exige discernimento e conversão comunitária e pessoal, para as mudanças necessárias.

2. Articulação entre Tradição e Renovação. O documento reconhece o fosso entre a Igreja e a cultura secular, entre a proposta da fé (com sua linguagem, gestos e ritos) e a compreensão que dela o mundo tem. A Igreja precisa de saber escutar a cultura de hoje e de se fazer escutar por ela, sem se diluir nela. Só escutando o Espírito Santo com humildade e docilidade é possível superar uma visão da Tradição cristalizada no passado, bem como da sinodalidade enquanto aceitação de ideologias ou de todas as opiniões recolhidas na auscultação.

3. A liturgia na vida da Igreja. O documento alerta para a ausência de referência à alegria na liturgia, e nomeadamente na eucaristia. Recorda qua a visão litúrgica supõe uma eclesiologia que lhe subjaz, horizonte para se compreender as questões associadas ao missal antigo. Há hoje um distanciamento entre a receção dos sacramentos e a inserção profunda na vida e missão da Igreja, que pede uma renovação de linguagem e de articulação entre a liturgia e a vida, entre a espiritualidade procurada e uma liturgia formal. Há que cuidar da qualidade das homilias e da formação litúrgica, e da dos presbíteros, que favoreça a proximidade destes com o Povo de Deus e a vivência da liturgia como instrumento de uma Igreja sinodal.

4. Pluralismo quanto ao entendimento da missão. O documento refere haver diferentes perspetivas quanto ao que é a missão da Igreja: oferecer uma confortável pertença religiosa; oferecer um espaço de relação sem pedir exigência de compromisso e conversão; fortalecer a catequização e a prática religiosa; tornar tangível a todos, especialmente os marginalizados, o amor de Deus; oferecer uma casa para todos, especialmente para os jovens. Neste pluralismo ressalta a tensão entre uma Igreja que tende a fechar-se ou a abrir-se. Tal afeta a credibilidade da missão, ainda mais posta em causa no contexto dos abusos sexuais e de poder. É necessário que o processo sinodal traga neste campo consequências visíveis.

5. O exercício da corresponsabilidade na diversidade de carismas e ministérios. O documento afirma a participação de todos no exercício dos ministérios e da liderança como sinal visível do sacerdócio comum dos batizados. É preciso um exercício da autoridade mais fraternal que: favoreça a participação laical e o acesso das mulheres ao serviços de decisão, fruto da sua condição batismal e da dimensão sinodal da Igreja; que  exclua formas de abuso de poder e clericalismo, de solidão e riscos de desequlíbrio emocional dos padres; que potencie a reflexão sobre o diaconado e equacione o acesso ao exercício do ministério ordenado (qual o lugar das mulheres, a possibilidade de ordenar homens casados, a formação de candidatos e de ministros, clérigos e leigos).

6. As formas de exercício da autoridade na Igreja sinodal. O documento lembra que a autoridade na Igreja se funda na presença efetiva de Cristo e na assistência operante do Espírito, de modo que só pode ser exercida no dinamismo de escuta e abertura, nunca de vencedores e perdedores, sendo que muitas vezes o Espírito indica o caminho de uma “terceira opção”. Um modelo estrutural sinodal de Igreja pede instâncias de escuta mútua e permanente entre clerigos, leigos e religiosos, e não apenas momentos consultivos. A Igreja na Europa pode aprender da sociedade processos de governance nas áreas da transparência, escrutínio e liderança, para uma autoridade melhor exercida como amor e serviço fraternos.

7. A articulação da diversidade e unidade na dinâmica particular-universal. O documento lembra que a Igreja na Europa respira a dois pulmões – ocidental e oriental – sendo preciso valorizar a unidade na diversidade de tradições (teológicas e rituais), e os enriquecimentos que mutuamente podem aportar ao todo. O mesmo se pode aplicar à relação entre Igrejas locais e a Igreja universal, com valorização de instâncias de comunhão regional. O documento sugeriu a realização de uma Assembleia Eclesial para a Europa em 2025, nos 60 anos da Gaudium et Spes.

 

Depois o documento apresenta perspetivas e prioridades a considerar: que se abrace a sinodalidade como modo de ser em Igreja; que se aposte no discernimento dos sinais dos tempos e dos caminhos comuns das diferentes igrejas locais; que se dê maior atenção às feridas das pessoas, ao protagonismo dos jovens e das muheres, às aprendizagens a receber dos mais marginalizados; que se desenvolva a unidade sem uniformidade, e o acolhimento de todos sem comprometer a proclamação da verdade do Evangelho na sua integralidade.

 

O documento concluiu, deixando as seguintes prioridades para a Assembleia Sinodal de outubro:

- Aprofundamento da prática, teologia e hermenêutica da sinodalidade.

- Discussão sobre o significado de uma Igreja toda ministerial, no horizonte dos carismas e dos ministérios (ordenados e não-ordenados) e da relação entre ambos.

- Procura de formas de exercício sinodal da autoridade, nomeadamente no acompanhamento das comunidades e na preservação da unidade.

- Clarificação dos critérios de discernimento no processo sinodal e a que níveis, do local para o universal, é que as decisões devem ser tomadas.

- Concretizações corajosas quanto ao papel das mulheres na Igreja e seu envolvimento nos processos de construção e tomada de decisão.

- Atenção às tensões em torno da liturgia, no horizonte da Eucaristia como fonte de comunhão.

- Cuidado pela formação de todo o Povo de Deus quanto à sinodalidade, com atenção ao discernimento dos sinais dos tempos em ordem à missão comum de todos.

- Renovamento do ardor da missão, superando o fosso entre fé e cultura, cuidando da linguagem, caminhando com as pessoas, e escutando o clamor dos pobres e da terra. 

texto pelo Pe. José Miguel Pereira; foto por CCEE
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