Doutrina social |
A “outra Lisboa”
Jornada Mundial da Juventude, um desafio e uma oportunidade
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Estávamos em meados dos anos 90 quando Lisboa fervilhava com as grandes obras em curso. Nessa altura acompanhava comunidades das periferias. Os contrastes eram gritantes e as respostas eram de uma lentidão irritante. Vários grupos mantinham acesa a consciência da necessidade de mudanças. Certo dia falaram-nos de um grupo de jovens franceses que gostaria de conhecer a “outra Lisboa”, a que não constava nos roteiros turísticos. No meu grupo, que acompanhava a população da Quinta do Mocho, ponderámos se levar parte dos visitantes a passar um dia nessas “torres do inferno” não seria dar corpo a um “safari da miséria”. Conscientes disso, entendemos, no entanto, que jovens da Europa rica teriam a oportunidade de verificar que o inaceitável acontece e, ao mesmo tempo, poderiam descobrir a riqueza das pessoas forçadas a viver em condições de indignidade. Realizou-se o programa numa mistura agridoce de constrangimento e de descoberta. Um dos jovens, escandalizado pelo que via, interpelou-me com um olhar fulminante: “E vós que é que fazeis aqui?” Tentei dizer-lhes que o interesse deste encontro era despertar a consciência para a responsabilidade dos povos do Norte para com a situação injusta do Sul. E que alguns deles, provavelmente dentro de algum tempo, teriam uma palavra na gestão da coisa pública do seu país. E porque também é deles a responsabilidade por esta situação, então que fizessem alguma coisa para superá-la.

 

Trinta anos depois

Pensando na realização da JMJ Lisboa 2023, coloca-se o mesmo dilema, mas com uma abrangência muito maior: trata-se de um encontro de centenas de milhares de jovens, vindos de todos os quadrantes, com uma imensa diversidade cultural, étnica, linguística. Vêm com um objetivo, apontado já no distante ano de 1986 em Roma, quando o Papa João Paulo II fez o convite a uma geração nova para construir um mundo mais justo e solidário, fazendo uma experiência de uma Igreja universal e vivendo um encontro pessoal com Cristo.

Os objetivos permanecem, com uma referência à atitude de Maria na abertura à vontade de Deus e no compromisso de sair para O anunciar. Não podemos ficar num mero evento celebrativo. É preciso o discernimento para descobrir os sinais dos tempos e os apelos de Deus para que a fé não passe de um manto ou nuvem que não deixa ver a realidade ou esconde o compromisso que ela exige.

 

Encontro é sinal e exprime o compromisso

Desde o início que as JMJ, a começar por João Paulo II, colocam a centralidade no tema da promoção da dignidade da pessoa humana, no empenho pela promoção da paz perante as divisões da sociedade, na construção de uma civilização de amor, tudo apoiado na liberdade, na justiça, no amor e na responsabilidade.
As centenas de milhar de jovens que aqui acorrerão, fazendo parte de uma geração privilegiada em termos de contactos, de viagens, de convívio, de meios de comunicação, não podem voltar para casa como quem regressa de um evento que apenas deixa memórias do que foi agradável e displicência perante o compromisso que devem assumir num mundo que será muito do que eles quiserem; para isso terão de travar uma luta dentro de si e fora de si para que “o grito de sofrimento de Jesus na cruz seja percebido como o grito das pessoas deslocadas, dos refugiados em trânsito, das mulheres e crianças maltratadas, dos povos indígenas, das pessoas com deficiência, dos que são negligenciados, oprimidos e humilhados”, como o disse há dias o secretário-geral do Conselho Mundial das Igrejas. Se isto os deixar indiferentes, como poderão falar do encontro com o Papa quando seguem o oposto do que ele propõe? Se toda a partilha do entusiasmo juvenil não corresponder a uma mudança interior na maneira de encarar os outros, tais sentimentos ficarão no hall do aeroporto e as Jornadas não passarão de um megaevento; ficarão memórias de um belo espaço à beira-rio, amplos espaços para consumo, curiosidades da diversidade, mas as centenas de milhões de pessoas que vivem cada dia o drama da fome, o perigo das guerras, ou a tortura das injustiças não farão parte do kit pessoal. E, contra o que o Papa Francisco propôs, deixaram-se “ficar na cauda da história, não assumiram o protagonismo que lhes pertence e perderam a oportunidade de construir um mundo melhor”.

Esperamos que seja o contrário e que o amanhã, com eles e por causa deles, seja mais risonho e feliz.

texto pelo P. Valentim Gonçalves, CJP-CIRP
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