Por uma Igreja sinodal |
Época Moderna (séculos XV a XVIII)
Sinodalidade na Diocese de Lisboa (parte 2)
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Se olhássemos exteriormente a realidade dos séculos XV a XVIII no respeitante à vida eclesial, nenhuma teria sido tão conjunta e caminhante. Em cidades, vilas e aldeias, sucediam-se na roda do ano procissões e outras manifestações públicas do culto, envolvendo grande parte da população.

Devoções comuns ou mais locais a santos e padroeiros como que definiam um povo crente e piedoso. Também grupo a grupo, com o que era próprio de cada arte e ofício ou dos vários institutos religiosos e ordens terceiras. A procissão do Corpo de Deus juntava e expressava anualmente a realidade de um povo reunido em torno do Santíssimo Sacramento.

Dentro dos templos e mesmo fora deles, eram muitas e por vezes bem prolongadas as celebrações e pregações. Em coincidência, a sensibilidade plástica e oratória desse tempo barroco exprimia exuberantemente tais sentimentos coletivos.       

Tal sinodalidade exterior não requeria a corresponsabilidade que lhe queremos dar hoje em dia. Na sociedade confessional de então manifestava-se o que espontaneamente existia. Havia lugar para a penitência, quando não se cumpria o básico, não para a convergência do que por si já estava unido.

Entretanto, ao que escrevi no artigo anterior sobre a sinodalidade na diocese de Lisboa na época moderna, teremos de juntar um tipo específico de organizações maioritariamente laicais. As ordens terceiras, anteriormente iniciadas, juntavam os seus membros em ações litúrgicas e para-litúrgicas muito habituais e envolventes: só os terceiros franciscanos seriam mais de dez mil em Lisboa, no final de Seiscentos e saíam frequentemente à rua em manifestações penitenciais…

Refiro igualmente as irmandades ou confrarias, tão fortes neste período e com intensa vida assistencial e celebrativa. Lembro, por exemplo, que em 1432 se fundara a Confraria de Jesus no convento de São Domingos em Lisboa, para pedir a clemência divina em tempos de pestes frequentes. Na mesma igreja tinham os ingleses e os borguinhões as respetivas irmandades, quando acorriam a Lisboa vários grupos estrangeiros por razões comerciais sobretudo.

Também em São Domingos começou em 1460 a confraria de Nossa Senhora do Rosários dos Homens Pretos, que se fundiu depois com outra dos Homens Brancos e também socorria os escravos. Foi assim que se conseguiu alguma integração e até ascensão social de alguns membros destes grupos.

As irmandades do Santíssimo Sacramento, aprovadas pelo Papa Paulo III em 1539, difundiram-se rapidamente entre nós e, além do culto eucarístico, apoiavam os moribundos e acompanhavam o Viático. O desenvolvimento deste culto, desdobrando para além da Missa o culto eucarístico, foi especialmente promovido e aceite como manifestação de piedade católica em tempos de controvérsia religiosa. 

Juntavam-se as corporações profissionais, para auxílio mútuo e sufrágio dos defuntos. Com os seus santos padroeiros, capelas e templos próprios, expressavam um forte sentido grupal religiosamente consolidado. Assim se afirmavam dentro da sociedade em geral, sem perderem o que caraterizava cada uma.    

Dentro deste amplo movimento confraternal, destacaram-se as Misericórdias, sendo a primeira fundada no claustro da Sé de Lisboa em 1498. Em toda a época moderna, com os seus hospitais e manifestações de piedade, foram talvez o maior exemplo de sinodalidade dos fiéis católicos na diocese e por todo o espaço português. Exemplo também de como um caminho conjunto se podia iniciar e incrementar em função do serviço a prestar, tão espiritual como concreto, devotado às obras de misericórdia.

Salientemos ainda que, numa sociedade tão estratificada como era a desse tempo, a sinodalidade eclesial encontrou nestas formas de agregação a possibilidade de levar por diante ações e devoções que incluíam fiéis do topo e da base social.

Não nos pareça forçado o uso do termo “sinodalidade” para estas realidades da época moderna. Na verdade, todas as agregações referidas incluíam muitos crentes, maioritariamente leigos, nas respetivas direções (mesas), participantes em deliberações e ações conjuntas, com muita autonomia também.

 

Nas fotos:

- Membros da Real e Venerável Irmandade do Santíssimo Sacramento de Mafra antecedidos pelo Cardeal-Patriarca de Lisboa D. Manuel Gonçalves Cerejeira, em 1930

A Santa Casa da Misericórdia de Lisboa, fundada em 1498, situada no Largo Trindade Coelho

texto por D. Manuel Clemente
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