Entrevistas |
Cleuza e Marcos Zerbini: ?Se houvesse favelas na época era lá que Cristo estaria?
<<
1/
>>
Imagem
Em 1985 criaram a “Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo” que pretende combater os problemas sociais nas favelas brasileiras. Confrontados se seria possível ser santo no meio das favelas usaram o exemplo do bom ladrão e de Maria Madalena e não têm dúvidas: “Se houvesse favelas na época, era lá que Cristo estaria”.

Estão na origem e são os responsáveis pela Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo, um movimento social brasileiro que luta contra os problemas sociais nas favelas. Deus habita nas favelas?

Marcos Zerbini – Sem dúvida nenhuma! Deus habita em todos os lugares e uma coisa que me marca muito é perceber como é que entre as pessoas mais simples, as mais pobres, aquelas que sentem mais as necessidades, os problemas da vida, como é evidente a certeza de que Deus existe e de que elas precisam de Deus para viver! É de facto a coisa mais bonita saber que as pessoas com mais necessidades são aquelas que têm mais consciência de que dependem de Deus…

Cleuza Zerbini – Sim, Deus habita nas favelas… Quem é cristão sabe que Cristo veio para todos, mas veio principalmente para aqueles que mais sofrem e que mais precisam. E dentro da favela, a presença de Cristo é mais evidente. Às vezes temos pessoas que nos abordam e dizem: ‘Deve ser difícil para vocês fazer este trabalho…’, mas para nós é uma graça de Deus! A favela é o lugar onde a presença d’Ele é muito vivida. Por isso, acabamos por ganhar também.

 

Cristo andou com os marginalizados e pôs-se do lado dos mais desfavorecidos e rejeitados da sociedade. A vossa missão é um pouco essa também, concordam?

Marcos – Sim! Nós entendemos aquilo que Cristo nos pede. Nunca fizemos nenhum projecto para construir a associação, nem fizemos projecto de trabalho social. Nós simplesmente fomos respondendo à realidade que nos era colocada, àquilo que nos era pedido. Naturalmente fomos ‘construindo’ a associação e as coisas aconteceram quase naturalmente. Hoje a associação é fruto não de um projecto, não de um esforço pessoal, mas do facto de respondermos àquilo que a realidade nos pedia.

 

Como foi o início da vossa missão?

Cleuza – Eu sempre estive em Igreja, nasci católica e desde sempre que me vi a fazer um trabalho social. Daquelas coisas da Igreja: ajudar os pobres com comida, cuidar das crianças. Tudo porque morava perto de uma favela e era esse o meu trabalho na Igreja. Em São Paulo, todos os anos discutíamos um tema e em 1980 falámos sobre a pobreza. Foi então que o padre na Missa disse que precisava de pessoas para começar a fazer a pastoral na paróquia. Repetiu os pedidos de voluntários três vezes… e não apareceu ninguém! Então diz: ‘Cleuza, você!’, e eu respondi: ‘Eu padre? Porquê eu? Eu já trabalho com crianças, com sem abrigo…’ Ele disse para eu largar tudo e seguir… e eu larguei tudo!

A realidade era diferente do que estava habituada. Para um movimento popular é preciso reunir um ‘montão’ de gente… e a casa?! Como é que se arranjam casas? Só fazendo pedidos para o Governo… porque arranjar uma casa era uma coisa completamente diferente de se arranjar uma cesta de comida, fruta, uma peça de roupa… era uma casa! Nesta altura nascem os grandes movimentos, não só em São Paulo, mas no Brasil inteiro. Movimentos esses que nascem dentro da Igreja, mas que depois, a meio do caminho, Cristo é como que substituído pelo trabalho social, e nós tivemos a graça de não termos substituído Cristo pelo trabalho social e assim não nos termos perdido a meio do caminho.

Marcos – Acho que a única coisa que é importante ressaltar daquilo que a Cleuza já disse é que nós tivemos um percurso diferente da maioria dos movimentos… a maioria só reivindica para que o Estado resolva os problemas; nós descobrimos que havia uma forma mais adequada que consistia em agrupar as famílias desalojadas para que em grupo comprassem uma grande área de terra e aí pudessem aos poucos e poucos construir as suas casas. A nossa ligação ao Estado passa apenas pela colocação de infra-estruturas básicas nos ‘bairros-novos’, mas o resto depende das pessoas que com muito sacrifício vão juntando um pouco do dinheiro.

 

Alguns anos após o início da vossa missão, juntaram-se ao movimento Comunhão e Libertação (CL). O que é que nasce desta ligação?

Marcos – A origem do nosso movimento tem como base a Teologia da Libertação, assim como todos os movimentos sociais do Brasil. Mas num determinado momento do nosso trajecto começámos a perceber que os movimentos começavam a substituir Cristo pela luta social e política. E quando isso começa a acontecer, a pessoa deixa de ser o centro do seu trabalho e passa a ter um enfoque na política, na chegada ao poder, entre outras coisas, o que leva a que as pessoas sejam usadas para um projecto de poder. Nós acabámos por resistir a esta tentação porque construíamos relações de amizade com as pessoas com quem trabalhávamos. Esta nossa atitude gerou muitos conflitos e discórdias e acabámos por nos afastar desses movimentos e grupos ligados à Teologia da Libertação. Durante dez anos participávamos em Igreja, mas de uma forma bastante formal e não conseguíamos encontrar um espaço na Igreja que se identificasse com aquilo que nós acreditávamos. E durante esses dez anos nós praticamente ficámos sozinhos, até encontrar um amigo, o médico Alexandre Ferraro, que nos apresentou o movimento Comunhão e Libertação. E foi uma coisa impressionante! O primeiro encontro com o movimento foi uma troca de experiências latino-americano onde encontrámos pessoas e movimentos que faziam acção social dentro da Igreja do mesmo modo que o nosso. Nesse momento foi evidente que era aquilo que nós procurávamos já há dez anos.

 

Vieram a Portugal a convite do CL partilhar um pouco da vossa experiência. Apesar de não haver favelas no nosso país, há ainda muita pobreza. De que forma o vosso testemunho pode ajudar a combater esta realidade?

Cleuza – Eu não sei o que podemos fazer para ajudar Portugal, mas a verdade é que Portugal já me ajudou muito. Nós somos convidados muitas vezes para ir contar o nosso testemunho, para ir a todo lado… mas uma coisa que eu aprendi no movimento é que devo preparar-me todos os dias para reaprender o que já sei. E tudo aquilo que eu aprendi aqui em dois dias já me vai servir de muito para ajudar no Brasil.

Marcos – A experiência cristã é uma amizade verdadeira que ajuda no caminho da vida. A nossa preocupação ao vir a Portugal não foi a de ensinar, foi a de partilhar a vida com alguns amigos que temos aqui. Viemos à procura de amigos para poder partilhar com eles um ‘pedaço’ da nossa vida. E é dessa paixão e desta partilha que nasce tudo! O que temos percebido com o nosso trabalho é que é claro que as pessoas precisam de casa, de educação, mas acima de tudo as pessoas precisam de Cristo. Se a nossa educação e a nossa casa não servir para anunciar a Cristo então de nada adianta! E Cristo vai-nos mostrar o caminho para ultrapassar os problemas económicos, políticos e sociais.

 

A santidade vai ser um tema em destaque na visita de Bento XVI a Portugal, em Maio próximo. Acham que é possível ser-se santo no meio das favelas?

Marcos – É possível ser santo em qualquer lugar! O problema é que as pessoas se equivocam quanto a essa questão da santidade e acham que ser santo é não ter pecados e ser santo não é isso. Pecados todos nós temos, a questão é o quanto somos apaixonados por Cristo! Qual é a verdadeira visão do cristianismo? Não é a pessoa perfeita, mas a pessoa apaixonada por Cristo! Quando sentimos que Cristo é o centro da nossa vida, quanto mais nos entregamos a Ele, mais a nossa vida se realiza. O problema não é viver no meio da violência, da pobreza ou da riqueza… o importante é viver apaixonado por Cristo e nessa altura a nossa vida muda!

Cleuza – Exemplo concreto disso que o Marcos disse é que o primeiro santo foi São Dimas, o bom ladrão, a primeira pessoa que soube da ressurreição de Cristo foi Maria Madalena… São essas as provas que temos de que Cristo habita nas favelas e habita onde está tudo de ‘mau’ e de ‘ruim’. Nós também sabemos que o que salvou Maria Madalena foi o pecado, foi a condição de vida que ela tinha e a humildade em reconhecer o pecado. Se houvesse favelas na época, com certeza que Maria Madalena e o bom ladrão eram ‘favelados’, era lá que eles moravam e era lá que Cristo estaria.

 

 

Perfil

Cleuza e Marcos Zerbini moram em São Paulo, no Brasil, e desde 1980 fazem trabalho social junto dos mais carenciados. Em 1985 criaram a “Associação dos Trabalhadores Sem Terra de São Paulo” que trabalha para dar casa a quem não tem. Casados, criaram recentemente um movimento de estudantes universitários vindos das favelas.

Na sua missão, trabalham com aproximadamente 120 mil pessoas.

João Carita
A OPINIÃO DE
P. Gonçalo Portocarrero de Almada
Conta-nos São João que, junto à Cruz de Jesus, estava Maria, a Mãe de Cristo, que, nesse momento, foi...
ver [+]

Pedro Vaz Patto
Foi muito bem acolhida, pela generalidade da chamada “opinião pública”, a notícia de que...
ver [+]

Guilherme d'Oliveira Martins
Quando Jean Lacroix fala da força e das fraquezas da família alerta-nos para a necessidade de não considerar...
ver [+]

Tony Neves
É um título para encher os olhos e provocar apetite de leitura! Mas é verdade. Depois de ver do ar parte do Congo verde, aterrei em Brazzaville.
ver [+]

Visite a página online
do Patriarcado de Lisboa
EDIÇÕES ANTERIORES