Lisboa |
Os 40 anos da morte do padre Manuel Luís, músico e compositor litúrgico
“Nome cimeiro de uma liturgia que se reencontrou”
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O Cardeal-Patriarca de Lisboa recordou a “obra bela e carismática” do padre Manuel Luís. Nos 40 anos da morte do músico e compositor natural de Turquel, o Jornal VOZ DA VERDADE ouviu o pároco, um antigo aluno hoje padre, um sacerdote especialista em música sacra e um maestro, sobre o “grande impulsionador da música litúrgica” em Portugal após o Concílio Vaticano II.

 

“Caríssimos turquelenses: o vosso, o nosso, padre Manuel Luís foi absolutamente carismático e desenvolveu, como poucos, os talentos – no caso, musicais – que Deus lhe deu. Quem é que, nas igrejas em Portugal, não canta melodias do padre Manuel Luís? Que bom é verificar e celebrar esta obra de Deus que se realizou também através deste homem, deste sacerdote, deste magnífico compositor que eu ainda tive o gosto de conhecer”. Foi desta forma que o Cardeal-Patriarca de Lisboa lembrou o padre Manuel Luís, na celebração que assinalou os 40 anos da morte do compositor litúrgico.

Na “bonita igreja de Turquel”, na manhã de 11 de julho, D. Manuel Clemente lembrou o “ilustre turquelense” como “um grande sacerdote e um grande compositor de música litúrgica e não só”, e uma “pessoa tão integrada no que foi a reforma litúrgica” em Portugal. “A geração do padre Manuel Luís – e nós fomos herdeiros dela – foi descobrindo que a Igreja podia desempenhar-se melhor, conhecer-se ainda mais, numa celebração que, de alguma maneira, mantivesse a simplicidade dos gestos de Jesus Cristo, sem os atrapalhar, falando na língua materna”, apontou. “Ele pertence e é um nome cimeiro dessa geração de homens, grandes compositores de música sacra, que, em todo o nosso país, nos ofereceram estas melodias de uma liturgia que se reencontrou com a simplicidade e com a verdade das origens cristãs, e sobretudo com o sentido da assembleia”, acrescentou.

Na homilia, o Cardeal-Patriarca sublinhou que o padre Manuel Luís se distinguiu, “na sua vida, pela adesão a Jesus Cristo” e pela forma “como O repercutiu no mundo”, e lembrou o tempo de seminário, onde conheceu o compositor. “Havia composições acabadinhas de compor, que nos chegavam para ensaiarmos e irmos à Sé ou aos Jerónimos cantá-las, e que ainda nem impressas estavam. E com que alvoroço nós fazíamos isso, porque nos redescobríamos naquelas magníficas composições do padre Manuel Luís”, recordou.

D. Manuel Clemente destacou ainda o livro ‘Cânticos da Assembleia Cristã’, da autoria do compositor turquelense. “É uma obra magnífica, da qual todos nós somos devedores, tanto mais que ele conseguiu aliar, de modo ímpar, a grande beleza e a grande sabedoria – que ele tinha aprendido em Roma –, com uma enorme simplicidade da frase musical, que não nos distrai, mas nos integra nesse louvor divino. O padre Manuel Luís conseguiu fazer isso como ninguém”, terminou.

 

Turquel, “terra de músicos”

Pároco de Turquel desde 2013, o padre Ivo Santos lembra, ao Jornal VOZ DA VERDADE, que o padre Manuel Luís “foi muito querido” nesta comunidade. “Esta comemoração foi um reconhecimento da sua pessoa e do trabalho desenvolvido na renovação da música litúrgica a nível nacional e internacional”, assinala o sacerdote. Após a Missa, presidida pelo Cardeal-Patriarca, decorreu a colocação de flores na campa do sacerdote turquelense. “A comunidade procurou preparar bem estes momentos. Os preparativos começaram em dezembro passado, e a preparação maior foi do grupo coral, pois os cânticos foram cantados em polifonia”, conta o padre Ivo, de 36 anos, sublinhando que esta data “tem sido também ocasião para os mais novos conhecerem esta grande figura”. “Para assinalar este ano, serão realizadas mais iniciativas: uma exposição e um concerto”, anuncia.

O pároco refere ainda que “Turquel é uma terra de músicos”, e que a comunidade procura sempre cantar as obras do filho da terra. “O padre Manuel Luís é também fruto desta tradição que recebeu e que desenvolveu com os estudos de música sacra. Ele continua a ser uma inspiração para uma liturgia viva e que fomente a participação da assembleia cristã. Temos uma especial atenção para que muitos dos cânticos sejam da sua autoria. Neste encargo, temos o maestro José António Luís, que tem composto algumas harmonizações a partir dos cânticos do padre Manuel Luís”, destaca o padre Ivo Santos.

 

Melodias simples e profundas

Também compositor, o padre Teodoro Sousa é um antigo aluno do padre Manuel Luís, no tempo de seminário. “O estilo do padre Manuel Luís era dele, em primeiro lugar, embora bebesse do ambiente musical da época, sobretudo no que se refere às harmonizações. As suas melodias são simples, sem serem banais; são profundas, sem serem académicas. As suas harmonizações são, muitas vezes, inesperadas e subtis, mais contrapontísticas do que corais. Compor cânticos que ajudem as pessoas a rezar, que sejam simples, mas não banais, é o principal legado que o padre Manuel Luís me deixou. Bem-haja, mestre”. É em tom agradecido que o padre Teodoro recorda, ao Jornal VOZ DA VERDADE, o seu antigo professor. “O padre Manuel Luís foi meu professor de música no Seminário dos Olivais, entre 1966 e 1968. Era ele que nos ensaiava os cânticos para a liturgia, geralmente a três vozes iguais. E não só nos indicava as notas, mas tecia considerações sobre o modo de cantar e as características dos cânticos que compunha e nos ensaiava”, partilha o sacerdote, atual pároco da Malveira e Venda do Pinheiro, recordando-se ainda que o padre Manuel Luís “vivia intensamente a liturgia”. “Era pessoa de profunda espiritualidade. Lembro-me de ele dizer que, quando tinha de compor um cântico, ia rezar para a capela do seminário, para que fosse Deus a compor e não ele. Vi-o algumas vezes em oração. Este é o verdadeiro espírito do compositor litúrgico”, assegura. Do tempo de seminário, ficam também as recordações dos ensaios. “Também nos ensaiava cânticos em polifonia, a três vozes mistas, que cantávamos na liturgia da Sé, então presidida pelo Cardeal Cerejeira. Era muito rigoroso nos ensaios, quanto à afinação e à dinâmica da música”, conta.

Diretor da Escola Diocesana de Música Sacra do Patriarcado de Lisboa e autor da música do hino do Sínodo Diocesano 2016, o padre Teodoro Sousa explica ainda por que o padre Manuel Luís é considerado uma das figuras portuguesas mais ilustres na área da música litúrgica, em particular na segunda metade do século XX. “Estávamos no imediato pós Concílio Vaticano II. Era necessário musicar os textos do Missal Romano, da Liturgia das Horas e do Lecionário, sobretudo os salmos responsoriais. O padre Manuel Luís levou a peito esta tarefa, com rapidez e mestria. É sobretudo notável o conjunto dos salmos responsoriais para os três ciclos. Quanto a estes, a preocupação era construir melodias simples, que toda a assembleia pudesse cantar, como é próprio do salmo intercalar. Muitos deles baseiam-se nos modos gregorianos (Protus, Deuterus, Tritus e Tetrardus), o que pode levantar algumas dificuldades aos organistas menos habituados ao sistema modal”, frisa, sublinhando que a “pressa em relação ao salmo responsorial” aconteceu por ter sido “uma das novidades conciliares”.

O padre Teodoro foi ordenado em 1978, três anos antes da morte do padre Manuel Luís, e sublinha ainda que “há um acervo menos conhecido, mas muito importante”, que é “a harmonização de cânticos religiosos populares”. “Cantávamo-los nas festas do seminário. Penso que este notável conjunto de peças não está publicado”, salienta o padre compositor, que teve o padre Manuel Luís como mestre.

 

Diálogo passado-presente

O padre Diamantino Faustino é o subdiretor da Escola Diocesana de Música Sacra do Patriarcado de Lisboa e considera, ao Jornal VOZ DA VERDADE, que um dos aspetos mais interessantes da obra do padre Manuel Luís “é o modo como ele conjuga o passado e o presente”. “As suas criações enraízam-se claramente na grande tradição das melodias sacras, ao mesmo tempo que são relevantes para a expressão atual da fé. Este diálogo, entre a história da música sacra e a vida das comunidades paroquiais, poderia muito bem ser uma referência, para quem se dedica a criar música para a liturgia”, assinala o sacerdote.

O padre Diamantino sublinha que a afirmação ‘o padre Manuel Luís é o compositor mais interpretado em Portugal’ pode “parecer exagerada”, mas não é. “Se pensarmos que, semanalmente, na esmagadora maioria das Missas dominicais de Portugal se canta o salmo responsorial, com melodia do padre Manuel Luís, podemos ver o quanto é verdadeira esta afirmação. Este facto bastará para nos mostrar a importância da sua obra”, observa o pároco de Linda-a-Velha. Este especialista em música sacra, de 48 anos, refere que a importância da música na liturgia “está definida muito claramente nos documentos do magistério, como um elemento essencial da celebração litúrgica”, e reforça o papel do compositor de Turquel nos salmos. “Após o Concílio Vaticano II era necessário apresentar melodias para os textos em língua portuguesa. Ora, as melodias, criadas pelo padre Manuel Luís para os salmos responsoriais, foram de tal maneira bem recebidas nas comunidades paroquiais que ainda hoje quando alguém pergunta ‘conheces o salmo deste Domingo?’, nem precisa de dizer qual o compositor, porque implicitamente refere-se à melodia do padre Manuel Luís”, explica o padre Diamantino Faustino.

 

“Grande impulsionador”

Entre as interpretações do Coro da Catedral de Lisboa estão composições do padre Manuel Luís, segundo refere, ao Jornal VOZ DA VERDADE, o maestro Luís Filipe Fernandes. “Que me venham à memória, cantamos: ‘Deus amou de tal modo o mundo’; ‘Eu sou o caminho’; ‘Exultemos de alegria’; ‘Foram tirados do meio dos homens’; ‘Jesus, nossa redenção’; ‘Luz terna suave’; ‘Maranatha! Vinde, Senhor Jesus’; ‘O amor de Deus repousa em mim’; ‘Oh! Noite favorecida’; ‘Pai nosso que estais no Céu’; ‘Toda a nossa glória’… Estes cânticos, originalmente, foram escritos somente a uma voz ou para vozes iguais. O Coro da Catedral de Lisboa é um coro misto, com homens e senhoras que têm tessituras mais agudas e mais graves. Assim, nestes cânticos, cantamos a versão para vozes mistas (sopranos, contraltos, tenores e baixos) com a roupagem harmónica que o padre António Cartageno escreveu para estas composições do padre Manuel Luís”, explica.

Questionado sobre a importância do padre Manuel Luís na liturgia de hoje, Luís Filipe refere que o compositor de Turquel, “movido pelo espírito de renovação do Concílio Vaticano II”, começou a compor trechos que possuíssem “qualidades de santidade” e “perfeição de forma”. “No livro ‘Cânticos da Assembleia Cristã’ – que reúne composições de sua autoria com cânticos para a Eucaristia, para os diversos tempos litúrgicos – diz-se, na contracapa, que o padre Manuel Luís ‘foi o grande impulsionador da música litúrgica em português, aquando da abertura da liturgia às liturgias modernas, com o Concílio Vaticano II’. Podemos depreender que o padre Manuel Luís foi o iniciador de um caminho que outros compositores seguiram e continuam atualmente a seguir, no sentido da importância dos cânticos, da música, dos textos, da qualidade musical, tendo em vista a ‘qualidade de santidade’ e da ‘perfeição de forma’”, observa.

Luís Filipe refere que não conheceu pessoalmente o padre Manuel Luís, tendo-o “visto num Encontro Nacional de Pastoral Litúrgica, em setembro de 1980, meses antes de falecer”. “Recordo-me, uma vez, que o antigo pároco da Sé, o cónego Luís Manuel, referiu, numa Eucaristia que antecedia a procissão da Solenidade de Santo António, que o cântico de entrada que estávamos a cantar, ‘Os povos proclamarão’, tinha sido o último cântico a ser composto pelo padre Manuel Luís antes da sua partida para a liturgia celeste”, conta o diretor musical do Coro da Catedral de Lisboa.

  

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Perfil

O padre Manuel Luís nasceu a 8 de julho de 1926, em Turquel, Alcobaça. Frequentou os Seminários de Santarém, Almada e Olivais e foi ordenado presbítero em 29 de junho de 1951. Frequentou durante sete anos o Instituto Pontifício de Música Sacra de Roma, onde foi diplomado em Canto Gregoriano e Composição de Musica Sacra. Regressado a Portugal, deu aulas no Seminário dos Olivais e dirigiu o coro polifónico, que tinha também o serviço litúrgico e musical da Sé Patriarcal. Foi ainda pároco da Sé de Lisboa de 1969 a 1975, ano em que assumiu a paróquia das Mercês, na cidade de Lisboa, onde veio a falecer, no Hospital de Jesus, contíguo à igreja, a 5 de julho de 1981, a poucos dias de completar 55 anos.

texto por Diogo Paiva Brandão; fotos por paróquia de Turquel e arquivo
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