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O Haiti está à beira da ruptura, com gangues armados a imporem a sua lei
Um milhão de dólares
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É um país que caminha para o abismo. No Haiti, os raptos são um negócio que está a crescer de dia para dia. E ninguém parece estar a salvo. Nem a Igreja. Cinco padres, duas irmãs e dois leigos foram raptados no dia 11 de Abril. Pelo resgate foi pedido um milhão de dólares. No Haiti, agora as coisas são assim: ou o dinheiro ou a vida…

 

Na sexta-feira, 23 de Abril, os sinos de todas as igrejas do Haiti tocaram ao meio-dia. Foi uma forma de protesto pelo rapto, por um dos muitos gangues armados que pululam no país, de nove pessoas. Eram um grupo de sacerdotes, irmãs e leigos que se dirigiam para a primeira Missa do Pe. Loudger Mazile. Foram raptados em Croix-des-Bouquets, uma cidade a nordeste da capital. Quando os sinos tocaram, num protesto que se escutou desde a mais pequena aldeia do Haiti até ao bairro mais populoso de Port-au-Prince, a cidade capital, já tinham passado 12 dias desde que se soube do rapto. E da exigência do pagamento de um resgate no valor de um milhão de dólares, cerca de 840 mil euros. Ou isso, ou a vida. Entre os raptores, estavam dois cidadãos franceses. A diplomacia de Paris pôs-se logo a caminho. Talvez por isso, todos acabaram por ser libertados ainda durante o mês de Abril. Mas ficou o susto. O Haiti está à beira da ruptura. A Igreja tem denunciado esta realidade vezes sem conta e cada vez com mais alarme nas palavras. Mas ninguém parece escutar a voz da razão perante um naufrágio há muito anunciado. Em Fevereiro, numa nota conjunta, os Bispos do Haiti falavam do país como estando “à beira de uma explosão”. E explicavam por que usavam palavras tão fortes: “o quotidiano do povo gira em torno da morte, assassinato, impunidade e incerteza”.

 

“Medo constante…”

Tudo no Haiti parece estar a soçobrar. Há uma crise política profunda, há uma crise económica tão antiga que a memória dos mais velhos não permite saber quando começou, há um desemprego brutal, que atinge fortemente os mais novos, e há uma profunda insegurança. Por causa de tudo isto, o rapto de pessoas banalizou-se e passou a ser um negócio. “Perguntamo-nos quem será o próximo? Serei eu ou um padre ou um irmão? Os padres e as religiosas correm o risco de psicose. Vivemos num medo constante”, afirmou D. Jean Désinord, Bispo de Hinche, à Fundação AIS, logo após o rapto dos cinco padres, das duas irmãs e dos leigos no segundo fim-de-semana de Abril. Um mês antes, como se antecipasse já uma situação de crise, o Governo decretou o estado de emergência durante 30 dias, procurando restaurar a sua autoridade em algumas áreas que se encontram praticamente sob controlo de gangues, inclusivamente em Port-au-Prince. O Bispo reconhece que a própria classe política está mergulhada nesta crise. “Toda a gente sabe que os nossos políticos usam gangues criminosos para controlar certas áreas. A fronteira entre o crime organizado e a política é bastante fluida”, denunciou o prelado à AIS.

 

Pessoas à espera…

Como se não bastasse aquilo que os homens não conseguem fazer, o Haiti tem sofrido também sérias calamidades naturais, com destaque para o violentíssimo terramoto de Janeiro de 2010. As casas ruíram engolindo gritos de pessoas. Foi uma tragédia sem fim. Morreram mais de 300 mil pessoas. A violência do sismo fez colapsar praticamente toda a cidade capital. Um milhão e meio de haitianos ficou, de um dia para o outro, sem casa, sem nada. Ainda hoje, uma década depois, centenas de pessoas continuam a viver em espaços improvisados, continuam a ter uma vida provisória. Continuam à espera. A violência que está a tomar conta das ruas é um sinal de um país que continua a colapsar. As questões de segurança são cada vez mais relevantes com grupos armados que espalham o terror na quase total impunidade. Nem a Igreja escapa a esta realidade. No início do ano, a Fundação AIS dava conta do rapto, por “bandidos armados”, de uma religiosa, a Irmã Dachoune Sévère, que acabaria por ser libertada 48 horas depois. Anteriormente, a 10 de Novembro, o Pe. Sylvain Ronald, dos Missionários de Sheut, esteve também raptado durante três dias. E na memória de todos há a história da Irmã Isabel Solá Matas, uma espanhola de sorriso aberto, rosto jovial, de apenas 45 anos de idade.

 

A história de Isa

Religiosa da Congregação das Religiosas de Jesus e Maria estava no Haiti há meia dúzia de meses quando se deu o terramoto. Desde então, procurava reconstruir vidas, auxiliar os mais pobres, os que ficaram mais desamparados com o abalo sísmico. Mas nem a sua bondade lhe valeu. Isa, como era conhecida entre amigos, foi assassinada a tiro quando o carro em que viajava, na capital, foi bloqueado por dois jovens que se deslocavam de mota. Foi um assalto. Foi no dia 2 de Setembro de 2016. Mataram-na por quererem roubar a sua mala. A sua história ainda hoje é recordada com incredulidade. Como foi possível? Dois terços da população do Haiti vivem abaixo da chamada linha da pobreza. No meio da corrupção, da crise política e económica, do desemprego brutal, as pessoas despertam, aos poucos, para um quotidiano feito também de medo. Os raptos são agora um negócio que está a crescer de dia para dia. Ninguém está a salvo. Nem a Igreja. Do Haiti pedem as nossas orações.

texto por Paulo Aido, Fundação Ajuda à Igreja que Sofre
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